Proseando : A CONFISSÃO DE INOCÊNCIO

– Padre, eu vim me confessar.
– Senhor Inocêncio, já disse ao senhor que seus pecadilhos dispensam confissão. Deus os sabe inofensivos.
– Mas, padre…
– Não se torture por bobagens. A senhor é incapaz de cometer qualquer ato lesivo.
– Era, padre. Era. De uns tempos pra cá sou a mais pecaminoso do seu rebanho.
– Não acredito. O senhor matou alguém?
– Deus me livre e guarde.
– Furtou?
– Até parece que o padre não me conhece.
– Mentiu?
– O senhor sabe o quanto odeio mentiras.
– Cometeu algum pecado capital?
– Não, senhor. Nenhunzinho.
– Então, me conte: qual foi esse terrível pecado?
– Ah, padre… É que… É que…
– Coragem, homem. Sua confissão ficará entre nós três.
– Nós três?Algum linguarudo? Quem está aqui? Não conto mais.
– Acalme-se. Nós três: o senhor, eu e Deus.
– Ah, padre. Me desculpe. É que ando uma pilha de nervos.
– Percebi. Suas mãos não param de tremer. Nunca o vi assim.
– Meu pecado não tem perdão, padre.
– Desde que haja sinceridade no arrependimento, todos os pecados são perdoáveis.
– Todos, menos o meu.
– Não duvide da bondade de Deus. Segure em minhas mãos e olhe dentro de meus olhos.
– Para quê, padre?
– Quero acalmá-lo. Me dê as mãos.
– Ai, ai, ai, ai.
– Sente dores?
– Não, senhor.
– Por favor, Inocêncio, me conte: o que tanto perturba você?
– Estou… Estou amando, padre.
– Mas isso não é pecado. Isso é maravilhoso.
– Isso é pecado mortal, padre.
– Hum. Pecado só se a pessoa for casada. É?
– De certa forma, sim.
– Deus sabe que muitas vezes não conseguimos dominar o nosso coração. Como penitência, reze o Ato de Contrição, dez ave-Marias e três pais-nossos. Procure ocupar a cabeça com outras coisas. Frequente o baile da terceira idade. Jogue bingo. Fique mais tempo com os seus netos.
– Que vergonha, meu Deus! Preciso ir embora. Adeus, padre.
– Senhor Inocêncio, sabe que sou muito curioso; me conte: é alguém da nossa comunidade.
– É sim, padre.
– Eu conheço essa pessoa?
O velhinho, se apoiando com dificuldade na bengala, prestes acolocar os pés fora da igreja, com os olhos cheios de lágrimas,confessou:
– Essa pessoa, padre… é o senhor!