Lembranças Literárias : A garça exilada

De asas cortadas, sobre um tarso erguida,
a nívea garça, triste como um pariá,
contemplativa, imóvel, solitária,
sonhar parece n’uma extinta vida.

Indiferente à alegre, à mundanaria
turba que passa na afanosa lida,
– Na pátria azul do sonho, entorpecida,
revê talvez a pátria imaginária…

Junto do lago assim os dias leva:
À noite quando em luminosas mágoas
a lua envolve a terra e ao ceu se eleva,

Geme a garça ao luar frouxo e dormente,
e mais e mais alonga-se nas águas
a sua imagem branca e transparente…

Wenceslau de Queiroz
Folha do Norte (extinto), 5 de maio de 1901