História : A onça fantasma da serra da Mantiqueira

A felina aparecia nas noites de luar e aterrorizava o povo das montanhas…

Entre os causos, lendas e fatos da Pindamonhangaba de antigamente, encontramos a história de uma onça enorme e sem uma das patas dianteiras: a onça maneta… também conhecida como a onça fantasma da serra da Mantiqueira! Em uma crônica publicada na edição de 26/8/1986 do jornal Tribuna do Norte, Francisco de Palma Neto, que colaborava com o jornal sob o pseudônimo de Quito, inicia seu artigo assim se referindo à terrível felina:
“Contava-nos o mais antigos moradores da cumieira da Mantiqueira, que num pedaço de chão de mais ou menos trinta léguas – de Itajubá a Sapucaí – com a Itapeva os Campos do Jordão e a Embaú, no meio, existiu uma onça pintada e maneta, a qual, mais parecia um fantasma, já que, nas noites de luar, atacava, às vezes de dois ou mais lugares ao mesmo tempo e em longo espaço de terreno, como se fosse assombração, já que duas feras sem uma das patas, era inacreditável. Imaginava-se que aquele bicho perdera suas unhas com um tiro de espingarda ou presa num mundéu. Duma coisa, porém todos tinham absoluta certeza: odiava os homens! Odiava-os como se também soubesse que o seu defeito fora causado por aquele seu inimigo. Por isso, quando não podia atacar um homem atacava uma coisa que lhe pertencesse, assim como um cavalo, um bezerro ou um porco. Quando atacava, num acesso de raiva, estraçalhava-os num ato de vingança premeditada. Não era à toa que nas luas cheias, só os mais experimentados ou os mais valentes, se aventuravam viajar pela serrania.”
Para representar “os mais valentes”, Quito lembra Zé Carapinha. Cavaleiro destemido mencionado por Balthazar de Godoy Moreira em seu livro “…E os Campos do Jordão foram Pindamonhangaba” (São Paulo,1969), como Zé Carapina, um dos empregados de seu pai que ajudara na construção da casa da Fazenda da Guarda em Campos do Jordão. A fazenda (não existe mais) também é citada na crônica de Quito sobre o ocorrido envolvendo a onça maneta e o tal Zé Carapinha ou Carapina…
Segundo Quito: “Diz-se que certa vez acompanhando uns rapazes que foram hóspedes da Fazenda da Guarda, pertencente aos Godoy Moreira, o Zé, mesmo com o luar, descia a serra, quando depois de cruzarem o ribeirão do Casquilho, ele, gritou para a rapaziada: ‘Coro nos animais, moçada. A maneta está no nosso rastro!’
Os moços desabalaram serra abaixo, só parando na Fazenda Graminha, onde se arrancharam até que o dia clareasse. Ali ficaram sabendo que a pintada abatera um garrote encostadinho na casa, na boquinha da noite. Matara, mas não comera um só pedaço. Daí, agradecidos, quiseram saber como o Zé Carapinha percebera que a danada da onça os ameaçara, e ele, sem responder, perguntou-lhes:
‘Meceis alembram qui mandei tocar os animais a toda brida logo adispois de nóis atravessá o Ribeirão do Casquilho, não foi? Confirmado, ele continuou: ‘antis de nóis vadeá o córgo, os sapo e os grilo tava cantando, não tava? Quando nóis atravessemo eles silenciaro e logo dispois garraro de novo! Certo?. Mais dispois, pra móde de que eles pararo de novo, si atrais de nóis num vinha viva alma? Só podia sê ela”.
E Quito encerra seu causo afirmando que era mesmo a pintada maneta.

A onça da Mantiqueira segundo Newton Lacerda
Em texto elaborado quando era o diretor do Arquivo Municipal Athayde Marcondes, Newton de Lacerda César (desencarnou em 1992) revela-nos a origem da tal onça fantasma. Conta que nos tempos do desbravamento das matas virgens pelos paulistas, um sertanista pindense, conhecido por capitão, seguindo o rastro de uma pintada lá pelas bandas do rio Piracuama, acabou descobrindo uma passagem para os sertões de Minas Gerais: a “Passagem do Piracuama”. Como forma de gratidão ele passou a proteger o tal felino, não permitindo que atirassem no bicho.
Infelizmente acontece de um aventureiro, que estava de passagem rumo às Minas, deparar com a pintada. Assustado com o tamanho da onça, ele mandou chumbo pra cima dela. A carga arrancou-lhe de uma das patas dianteiras, mas ainda assim ela desapareceu mata adentro. Depois disso ninguém mais soube do paradeiro do perigoso animal. Uns diziam que ela tinha morrido em sua toca nos contrafortes da Mantiqueira. Outros, que sua carcaça apodrecera nas águas do Piracuama.
Muito tempo depois, quando já nem se falava mais da onça da Mantiqueira, começou a correr a notícia que uma pintada enorme e furiosa vagava pela região entre o Pico Agudo e a Serra Preta. Às vezes, era vista até nas cercanias de Campos do Jordão. Uns sertanistas que haviam dado com ela calculavam que o animal tivesse dez palmos da ponta do focinho até a cauda e uns quatro palmos de altura. Seu pêlo era fulvo, revelando que se tratava de animal velho. Havia, no entanto, uma particularidade que a diferenciava de outras onças: não tinha uma das patas dianteiras, era uma onça maneta!
A agressividade dessa fera passou a atemorizar os tropeiros, viajantes e moradores do sertão. Aquela onça carregava uma ira terrível. E não era só contra o homem, estraçalhava qualquer animal que visse pela frente. Um de seus mais terríveis ataques foi na Serra Preta, num sítio localizado no antigo caminho que ligava Pinda à estação Eugênio Lefévre e ao Sul de Minas. O dono do sítio tinha ido à Vila fazer compras. Era noite quando a onça invadiu a casa e matou a mulher e as crianças. Depois foi no terreiro e estraçalhou os animais domésticos que encontrou. Não satisfeita, ficou à espreita, pois um cavaleiro se aproximava. Era o sitiante, mal teve tempo de desmontar. Só o cavalo escapou porque disparou assustado.
Dizia o pesquisador da história de Pindamonhangaba, que nas noites de lua cheia a fera urrava nas quebradas da Mantiqueira, amedrontando o povo das montanhas. Eram poucas as pessoas que tinham coragem de passar nos locais onde ela aparecia. Diziam uns que ela era o fantasma daquela onça da “Passagem do Piracuama”, que, há muito anos, um caçador tinha deixado sem uma das patas. Outros falavam que era o espírito da tal que, em noites de lua cheia, se apossava do corpo de outra onça maneta e saía atacando homens e animais.
Seu Lacerda, assim popularmente conhecido, dizia que onça da Mantiqueira foi muito comentada até os meados do século XX, e que pesquisando antigos documentos no Arquivo do Estado, havia deparado com algumas notas referentes a uma “enorme onça pintada, aleijada da pata dianteira, que vagava pelas encostas e altiplanos da Mantiqueira.”