Lembranças Literárias : A volta do Imperador

Cento e cinquenta anos depois de sua inesquecível passagem pela terra natal do comandante de sua guarda, o imperador Pedro I, saindo novamente do Rio de Janeiro com destino a São Paulo, voltou a fazer uma parada na Vila Nossa Senhora do Bom Sucesso. O lugar já não era mais uma vila mais continuava Pindamonhangaba.
Dessa vez não veio no lombo da besta ruana. Sua comitiva não levantou poeira vermelha no estradão. Veio de trem. Chegou no dia 2 de setembro de 1972. Aclamado pela multidão, percorreu algumas ruas da cidade. Mas não foi em uma montaria, conduziam-no em uma estranha e pouco graciosa carruagem sem cavalos. Também era muito esquisito o fardamento daqueles guardas. Não havia a elegância da casemira branca, nem aqueles capacetes dourados encimados por um dragão, de cujas caudas pendiam tufos de crina carmezin…
Mas havia alegria e emoção. O povo estava contente, satisfeito. Jovens e crianças uniformizadas agitavam bandeirolas do Brasil… e também de Portugal.
Ao som de “Heróis do mar, nobre povo, nação valente e imortal, levantai hoje de novo o esplendor de Portugal…”, mas também ao som de “Ouviram do Ipiranga, às margens plácidas, um brado retumbante…”, foi o príncipe se reencontrar com alguns de seus leais soldados, que se encontravam aquartelados em uma igreja.
O velho coronel Manuel Marcondes veio apresentar-lhe a guarda. Mandou-os ficarem à vontade. Estava ali era para prosear um pouco. Relembrar e dar boas gargalhadas. E riu muito ao rever o guarda Adriano Gomes de Almeida, o imperador perguntou-lhe se os calções já haviam secado, relembrando um incidente ocorrido durante a viagem a São Paulo naquele longínquo 1822. Fora nas imediações de Jacareí, quando precisaram atravessar o rio Paraíba. O príncipe regente, desprezando a barca, meteu o cavalo rio adentro fazendo-o atravessar a nado. Ficando Sua Alteza com os calções ensopados, foi o guarda Adriano que, tendo as mesmas medidas do príncipe, cedeu-lhe os seus calções enxutos em troca dos molhados. A afabilidade e o costume do príncipe de descer de sua elevada posição para pôr-se ao lado de gente humilde, também foram relembradas. Como aquela vez que vendo, num rancho à beira da estrada, um viajante que lutava para ferrar os cascos de um animal, D. Pedro desceu de seu cavalo, foi até lá e num instante deu conta do serviço. Depois, despediu-se sem se identifi car. O viajante ficou sem saber que aquele cavaleiro solícito e risonho que o havia ajudado era nada menos que Pedro I, o príncipe regente.
Prosa vai, prosa vem, ali pernoitou o príncipe e não no palacete do coronel Marcondes, como da outra vez. Mesmo porque aquele casarão da praça formosa não existia mais. A praça, apesar de continuar formosa, agora chamava-se Monsenhor Marcondes. Pela manhã, o príncipe despediu-se de seus companheiros e partiu sem sua Guarda de Honra, rumo ao Ipiranga. Foi ao encontro da imperatriz Leopoldina… num trem da Central.

Altair Fernandes, Tribuna do Norte,
2 de setembro de 2005