Proseando : CARTA AO PAPAI NOEL

No refeitório, após a última garfada, resolveu abrir o envelope.
– Bilhetinho da namorada?
Meneando a cabeça, explicou ao chefe de produção que todos os anos ia ao Correio e escolhia, aleatoriamente, uma das inúmeras cartinhas que crianças carentes escreviam para pedir presentes ao Papai Noel. O escolhido, ou a escolhida, teria o pedido realizado.
– Nunca ouvi falar nisso.
– Não duvido. Você só pensa em dinheiro. Seu coração é de pedra.
– Quer manter o emprego? Morda a língua e leia em voz alta.
“Querido Papai Noel,
como está o clima no Polo Norte? Aqui, o frio perdura há anos, infelizmente.”
– Cartinha de criança carente? Com esse vocabulário? Sei.
“Antes de tudo quero agradecê-lo pelos presentes que ganhei: a boneca de louça, o cavalinho azul, a coleção de livros de Monteiro Lobato…
Faz tempo que nada peço; todavia, este ano, resolvi escrever-lhe, pois não consigo mais controlar o desespero. Choro todos os dias. Não consigo dormir. Papai Noel o senhor é a minha última esperança.”
O chefe bocejava, entediado.
– Quer que eu pare a leitura?
– Não! Prossiga!
“Perdi a noção de tudo, mas sei que faz uma eternidade que me trouxeram a esse asilo. Fiz muitas amizades aqui, mas nenhuma preenche o vazio que rasga o meu peito.
Tenho um filho, lindo, inteligente, órfão de pai desde a tenra idade. Quase morreu devido a seríssimo problema renal. Graças a Deus eu era doadora compatível.”
O chefe suspendeu uma sobrancelha.
– Prossiga!
“Papai Noel, o doutor disse que o câncer não me dará mais que duas semanas de vida. Antes de morrer, preciso matar a saudade que sinto de meu filho, e pedir a ele que tome conta da nossa Fortuna.”
– Pare, por favor! Pare! Qual o nome dela? Alzirinha?
O colega escorregou os olhos para o final da carta.
– Isso. Alzirinha de… Mas, como você sabe o nome dela?
O chefe abriu as comportas lacrimais.
– Ela é minha… minha mãe. Coitadinha. Preciso tirá-la de lá. Não posso permitir que sofra mais. Não posso deixar que a nossa fortuna caia em mãos erradas. Você vem comigo. Agora!
– Antes, chefe, deixe-me ler os dois últimos parágrafos:
“Fortuna é a tartaruguinha que o doutor me deu para ludibriar a saudade.
Assinado: Alzirinha de Jesus.”