Proseando : CASAMENTO À MODA ANTIGA

Era na cozinha que vovó se sentava no banquinho de madeira, ao lado do fogão de lenha. Enquanto esperava o bolo de fubá assar e o chiado da chaleira para coar o café, abria o baú de relíquias e contava os mais variados casos:
Antigamente, casamentos eram arranjados pelos pais, que escolhiam os noivos para as filhas. Na maioria das vezes, o eleito era de família de muitas posses. Filhos de fazendeiros. Filhos de políticos. Filhos de pessoas ilustres.
Naquele tempo, muitas mocinhas fugiam de casa. Muitas cometiam suicídio. Em muitos desses casamentos as esposas se tornavam meras escravas do marido.
Certa vez, arranjaram noivo para a moça que amava estrelas, flores e animais. O escolhido era filho de fazendeiro. Era um homem arrogante, soberbo, que gostava de humilhar pessoas e chutar cães de rua. A moça esperneou, gritou, chorou. Implorou para que o pai reconsiderasse. Não teve jeito.
O martírio começou com o namoro. O rapaz bruto, ciumento, gritava palavrões. Se alguém ousasse olhar para ela, ele chamava pra briga. Durante todo o relacionamento ela pedia a Deus que lhe mostrasse maneira de interromper definitivamente o sofrimento.
O tempo passou. O casamento foi marcado. O noivo determinou que a cerimônia fosse realizada na praia. Chegaria montado no Riqueza, o puro-sangue Árabe, adereçado de ouro, com a noiva na garupa.
No fatídico dia, como raio ele surgiu na praia. A noiva, apavorada no dorso do animal, gritava “Pelo amor de Deus, me deixe no chão”. Assim que ela apeou, ele esporou o animal e desapareceu na extensão da areia. Minutos depois retornou, em pé, no dorso do animal. Fazia malabarismos quando, próximo aos convidados, o animal se assustou e freou. O noivo, qual flecha, se espetou na areia. Enquanto foram socorrê-lo, a noiva compreendeu que aquele era o aviso de Deus. Sem titubeio, montou em Riqueza. As mulheres, percebendo a ousadia, pediam: “Jogue o buquê! Jogue o buquê!”. Ela jogou. Para frustração das mulheres, o arranjo de flores decidiu pousar nas mãos do noivo desfalecido. Depois disso, ninguém mais soube do paradeiro dela.
Para encerrar o caso, vovó abriu o baú de onde retirou o véu amarelado que colocou na cabeça. Depois, coou café, serviu o bolo de fubá, acariciou a orquídea que enfeitava a mesa, ajeitou o vira-lata aos pés do fogão de lenha para que não sentisse frio, e foi espiar estrelas.