Copa do Mundo 2018: o rebaixamento da tradição de enfeitar ruas

Texto: Dayane Gomes e Jucélia Batista
Créditos: Arquivo Pessoal

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Em contrapartida à animação de edições anteriores, grande parte da população não se aderiu à coloração verde e amarela nas vias e casas

Os prédios, edifícios e caminhos urbanos concorrem entre si ao título de coletividade ao ostentar o trabalho manual e financeiro entre vizinhos na época, dedicada ao símbolo patriota da história recente do Brasil: o futebol. Mais do que um campeonato regional, estadual ou nacional, toda a ornamentação verde e amarela espelha o entusiasmo de uma Copa do Mundo. Entretanto, em meio aos desafios sociais atuais, bandeirinhas, faixas, calçadas e asfaltos saíram da titularidade e sentaram no banco de reservas em 2018.
“A expressão cultural é multifacetada e o esporte tornou-se um ícone dessa cultura. Então, o futebol é celebrado todas as vezes que acontecem jogos que movimentam o imaginário coletivo”, sintetiza José Maurício Cardoso, professor de Sociologia, Antropologia, Ciências Políticas e Relações Internacionais na Universidade de Taubaté. E o presente imaginário coletivo do brasileiro vem de imediato influenciando a tradição de decorar os espaços públicos e, até mesmo, particulares. Assim, a panorâmica decorativa futebolística está acompanhando a exigência da expressão cultural, voltada para a descrença nacionalista formulada por Émile Durkheim como ‘anomia’.

“A cultura é um processo de enfrentamento da natureza. Em alguns momentos, essa relação é tão tensa que é preciso uma válvula de escape.
E essa válvula de escape passa a ser o futebol aqui para nós.”

José Maurício Cardoso – Professor universitário

 

Herança do 7×1?

Aos olhos dos mais velhos e atentos, é nítida a diferença entre a animação popular com este Mundial de Futebol e suas edições anteriores. Para Cardoso, hoje, de maneira direta, está ocorrendo um distanciamento desta manifestação cultural pela própria condição financeira dos cidadãos. “Nós acabamos de passar por um processo político traumático e a sociedade, literalmente, se dividiu”, afirma o professor universitário. “Mostrar-se fanático na área esportiva, principalmente no futebol, acabou se tornando um elemento ‘desagregador’. As pessoas, por receio e, até mesmo, por consciência, estão se limitando mais nessa expressividade cultural”.

Mantendo a tradição

Independentemente dos últimos resultados da Seleção Brasileira no mundial, existem aqueles que se dizem “apaixonados” pelo futebol do Brasil. É assim que vivem as amigas Elaine Cristina e Érika Jayme, a Kika – moradoras do bairro Crispim, em Pindamonhangaba, – pintar e enfeitar as ruas em época de Copa do Mundo para elas é tradição e quase uma “herança” passada de pais para filhos.
“Começou lá atrás com nossos avós, tios, pais e irmãos. Depois, quando nos demos conta, nós já estávamos arrecadando as tintas e correndo atrás do dinheiro para a compra dos materiais”, conta Elaine.
Érika acrescenta: “Somos amigas há uns 30 anos e durante todo este tempo nunca ficamos uma Copa do Mundo sem pintar a rua. Mesmo que seja da forma mais simples e simbólica possível, a gente tem que enfeitar nossa rua para receber de coração aberto os jogos da seleção”.
Elas disseram que de fato, este ano, o entusiasmo não contagiou a todos os moradores, mas que a maioria se aderiu à festa e à tradição de manter a rua Pedro da Cruz Salgado “verde e amarela” como o coração dos seus residentes.

 

  • Ícone da expressão cultural brasileira, baixo entusiasmo com nosso futebol pode estar ligado à atual situação do País
  • A cada quatro anos, rua Pedro da Cruz Salgado, no Crispim, torna-se verde e amarela
  • Através de “vaquinha”, moradores mantém viva tradição de pintar e enfeitar a rua em época de Copa do Mundo