Vanguarda Literária : DOM LUCAS: LEMBRANÇAS DE UM SÁBIO

Na nossa vida passageira, pelo nosso pequeno planeta tão pleno de expiação e de dores, às vezes, por força do destino (ou de Deus?) deparamo-nos com pessoas especiais que nos marcam e ficam gravadas, para sempre, na nossa memória.
Era o ano de 1987, portanto, tudo transcorreu há mais de trinta anos. Eu me encontrava num voo para Recife (com escala em Salvador), onde iria fazer uma Palestra no III Congresso Brasileiro de Adolescência. Ao meu lado, sentou-se um senhor de aproximadamente 65 anos de idade, elegante, de calça escura e blaser, franzino,portanto óculos de grau, gestos contidos, simpático, mostrando uma discreta carapinha branca e um sorriso tranquilo. Começamos a conversar. Ele mostrava muito interesse nos assuntos relativos à adolescência, e me falava de sentido de vida, do homem e da cultura no nosso mundo. Impressionou-me como ele abordava, com tanta profundidade, tantos assuntos diferentes! Conversamos sobre Filosofia Existencial, especialmente sobre a obra do filósofo alemão Martin Heidegger, o qual já vinha estudando, cuja metodologia utilizei para a minha Tese de Doutorado defendida na USP em 1995. Perguntou-me sobre a minha família. Indaguei-lhe se tinha netos (que gafe!!) e ele me respondeu que não era casado. Quando o piloto avisou que iríamos aterrissar em Salvador, ele se despediu, muito afável, me abraçou e disse-me que iria torcer pelo sucesso da minha apresentação. Ofertou-me o seu cartão de apresentação. Agradeci e guardei-o com muito cuidado. Chegando em Recife, li o cartão: DOM LUCAS MOREIRA NEVES, ARCEBISPO-PRIMAZ DA BAHIA. Eu tivera a honra de viajar com o mineiro, natural de São João Del Rei, filho de um bibliotecário de uma professora primária, primo de Tancredo Neves, o prelado brasileiro que mais tempo fez parte da Cúria Romana: lá trabalhou mais de treze anos até a sua morte em 2002, ocorrida em Roma!!! Dom LUCAS foi nomeado Cardeal em 1988, em 1995 foi presidente da CNBB e, em 1996, eleito para a Academia Brasileira de Letras (Cadeira 12 ) sucedendo o poeta Abgar Renault. DOM FREI LUCAS MOREIRA NEVES era filósofo, teólogo, cronista, autor de várias obras: “Vigilante desde a Aurora”; “Homem Descartável e Outras Crônicas”; “Razões de Esperar e outras Crônicas”; “Sarça Ardente -Teologia na América Latina”.
Nunca me saiu da mente a sua idéia de homem, como bem expressa nesse pequeno texto do livro: “Homem Descartável”, que ele me enviou, quando o lançou, no Rio em 1995: ”Uma diferença básica entre o homem e os outros seres, mesmo os animais superiores, é a CONSCIÊNCIA. Ele é capaz de refletir sobre si mesmo, sobre sua história, sua vida. Capaz de saber o que sucede com ele próprio. Ninguém o exprimiu melhor do que Blaise Pascal: ’O homem vive e sofre e morre e sabe o que faz, tem consciência do viver, sofrer e morrer.Esta autoconsciência é a marca do homem” Tu o fizeste pouco menos do que um Deus’. A palavra do salmista revela o plano de Deus sobre o homem. Esta é a única criatura que o Criador quer por si mesma e não como meio”.
Esse ser humano admirável que honrou o nosso Brasil, se encontra no Reino de Deus. Deixou um exemplo de humildade, Cultura e de Amor entre os seus semelhantes!

  • Dom Lucas Moreira Neves morreu em 2002