ESPECIAL MULHER : Elas mandam sim!

A passos lentos, as mulheres conquistam espaço no mercado de trabalho e conseguem atuar em cargos de liderança em áreas antes restritas aos homens, como a indústria pesada e a construção civil

Entre 2004 e 2014, o número de postos de trabalho ocupados pelo trabalho feminino dobrou no Brasil

No dia 8 de março de 1917 cerca de 90 mil operárias marcharam na Rússia por melhores condições de trabalho. Na década de 70, a ONU oficializou a data como Dia Internacional da Mulher.
Exatos cem anos depois da manifestação, mulheres lentamente conquistam mais espaço dentro da força de trabalho. No Brasil, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o número de postos ocupados pelo trabalho feminino quase dobrou nos dez anos entre 2004 e 2014, passando de 12,5 milhões de trabalhadoras com carteira assinada para 21,4 milhões, 43,25% do total.
Isso, entretanto, está longe de significar equiparação dentro das empresas e chegada nos cargos de liderança. Para falar do Brasil, segundo relatório do Instituto Ethos, o percentual de mulheres em cargos executivos nas 500 maiores empresas do país é de apenas 13,6%. Isso ocorre embora as mulheres somem 51,4% da população e tenham nível de instrução superior: 7,5 anos de estudo ante 7 dos homens, na média nacional.
Neste contexto, vamos conhecer três personagens que foram contra as estatísticas e entraram no seleto grupo das mulheres que conquistaram uma posição de destaque no mercado de trabalho, em funções e cargos antes restrito ao universo masculino.
Vencer a discriminação, a desconfiança masculina e as próprias inseguranças para mostrar que o gênero não pode ditar o mercado de trabalho são alguns dos desafios que elas vencem dia após dia no seu cotidiano profissional.
Adriana Nobre, diretora de Qualidade, Melhoria Contínua e Tecnologia nas fábricas da Novelis em Pindamonhangaba e Santo André é um dos exemplos de liderança feminina na empresa. A executiva começou a trabalhar na Novelis em 2014, lidera cerca de 40 profissionais e é responsável pela satisfação do cliente por meio de entregas de qualidade, programas de excelência de manufatura e desenvolvimento de produtos.
Química por formação, ela sempre desempenhou funções de responsabilidade em empresas tidas como “masculinas”. “Desde que me formei assumi cargos gerenciais e dentro de áreas de operação na indústria, em setores que antes eram restritos aos homens, mas nunca senti algum peso por isso”, garante ela.
Adriana conta que, na sua carreira, as coisas aconteceram com naturalidade. “Sempre me pautei na minha formação para alcançar qualquer posição. Acredito que por isso não tenha notado alguma diferença por eu ser mulher”, conta a executiva.
Na empresa onde atua, Adriana tem visto o avanço da presença feminina em todas as áreas de atuação. “As mulheres estão muito focadas na carreira, se preparando e abrindo espaço no mercado, se posicionando pelo conhecimento, pela formação e pela qualificação profissional”.
Essa maior participação tem se refletido no dia-a-dia da indústria. “Pontos de vista diferentes são fundamentais. A mulher trouxe novos pontos de vista e novas formas de resolução de problemas para a indústria. Não que esses pontos de vista sejam melhores que o dos homens, mas sem dúvida, são diferentes. Essa diversidade de pensamento é o maior ganho para o mercado de trabalho”, destaca Adriana.

Engenheira Civil especialista MBA em Gerenciamento de Projetos, Ozilani Biancalana coordena trabalhos de construção civil, relativos à manutenção do ambiente fabril, alterações no layout produtivo e acompanhamento da concepção de projetos de construção civil pesada, como também sua execução e fiscalização em siderúrgicas.
Ela atuou, recentemente, na expansão do laminador da Novelis e em projetos da Gerdau em Mogi das Cruzes, no ano passado.
Para Ozilani, há muitas dificuldades para a mulher no mercado de trabalho, e a principal delas é conciliar as rotinas. “Convenhamos que a concorrência é desleal, porque independente de nossa escolha profissional, a maior parte das mulheres sonha em ter e cuidar de sua família. Mesmo compartilhando as tarefas com o companheiro, a responsabilidade da mulher na família ainda é muito forte”, afirma ela.
De fato, cuidar da família ainda é, culturalmente, tarefa para a qual se dedicam as mulheres. Conforme mostra o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-, as mulheres efetivamente trabalham mais que os homens. Após a jornada no emprego, elas passam duas vezes mais tempo que os homens se dedicando às tarefas domésticas, a ponto de somar 55,1 horas de trabalho por semana, contra 50,5 horas dos homens.
Como toda boa mãe, Ozilani, que tem duas filhas, de 10 e 20 anos,‘dá conta do recado’. “A gente se desdobra para cumprir todas as obrigações profissionais com excelência e no fim do dia, chegar em casa bem disposta para atender à família. Então, posso dizer que assumir grandes cargos no mercado de trabalho pode ser mais cansativo para as mulheres, mas não mais difícil”, defende .

Doutora em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, Cristina Elisei é diretora da Fatec – Faculdade de Tenologia do Estado de São Paulo em Pindamonhangaba. A faculdade oferece cursos tecnológicos de Processos Metalúrgicos, Processos de Soldagem, Manutenção Industrial, Projetos Mecânicos e Gestão Empresarial e tem em sua maioria, alunos do sexo masculino.
No dia 8 de março, Dia da Mulher, Cristina completou 10 anos à frente da instituição e conta que sempre foi muito respeitada e reconhecida no ambiente de trabalho. “Esse deve ser o nosso objetivo principal: desempenhar as funções, sejam elas denominadas “masculinas” ou não. Somente assim teremos um lugar de respeito perante a sociedade”, destaca.
Cristina relembra que no início da carreira, percebia que causava surpresa em algumas pessoas. “Quanto estagiava em uma grande empresa da região, percebia os olhares estranhando a situação, principalmente porque fui uma das primeiras estagiárias na área de Engenharia. Mas com o tempo passaram a me olhar naturalmente”.
Para ela, o mérito da conquista do espaço é todo da mulher. “ As mulheres, de alguns anos para cá, passaram a disputar com os homens em pé de igualdade. Ou seja, se preparam mais, academicamente, e atingem níveis de excelência que as permite assumir cargos de gerência e figurar na alta administração das empresas”.
Na Fatec, a procura das mulheres pelos cursos antes ‘exclusivos’ dos homens tem aumentado a cada ano. “Temos verificado um aumento no número de mulheres que ingressam e que se destacam durante o curso e após sua formatura. Essas mulheres disputam vagas com outros colegas de profissão e têm sido escolhidas”.

 

Imagens: Víctor Belmonte Jucélia Batista Arquivo pessoal
  • Adriana Nobre: “A diversidade de opiniões só traz melhorias, seja qual for o cenário”
  • Ozilani Biancalana: “Nosso instinto materno nos ajuda a tirar ‘de letra’ qualquer situação”
  • Cristina Elisei: “As mulheres são muito detalhistas, empreendedoras, preparadas e por isso se destacam”