Proseando : Férias no Sítio

O pai ajeitou a última bagagem no porta-malas e assumiu o volante. A esposa, ao lado, agarrada à caixa de remédios, não escondia a contrariedade, manifestada, também, nos filhos no banco de trás. O motivo foi a proibição do pai:

— Nada de smartphones!

— Mas pai… Precisamos registrar os momentos e compartilhar nas redes sociais.

—Eu já disse que não! Vocês registrarão a beleza do local com as melhores lentes: os olhos.
Foram inúteis as tentativas de intercessão da mãe. O pai era cabeça dura. O que decidia estava decidido e pronto. Isso posto, o veículo percorreu dezenas de quilômetros até chegar ao sítio.

—Fizero boa viage, fio?

—Graças a Deus, pai.

—Cê tá boa, norinha? Tá controlano a pressão arta? E ocêis, criançada, num vai dá um abraço no vô e na vó?

O menino e a menina, sob o olhar impositivo do pai, cumpriram a formalidade.

—Quando eu era criança eu bejava a mão e pidia bença. Mai um abracinho já tá bão dimais, né memo? — Observou a avó.
Como as crianças permaneciam carrancudas, o avô inteirou:

—Vamo desamarrá o burro?Vo pegá o lambe-lambe. Já vorto.
Assim que o avô saiu, a menina cochichou no ouvido da mãe: “Não vou desamarrar burro nenhum e nem vou lamber nada.” A mãe sorriu, passeou os dedos sobre a cabeça da filha, mas não teve tempo de explicar.

— Aqui tá o véio lambe-lambe. Quero que oceis fique juntinho. Ajeite eles aí, minha véia.
O avô enfiou a cabeça na pequena caixa de tirar retrato,sustentada por um tripé, enquadrou a família e registrou o momento.

—Num doeu nada, né? Daqui a pocomostro o retrato proceis.
Com o decorrer dos dias, o menino e a menina se esqueceram da tecnologia, divertindo-se com as galinhas, os porcos; pendurados nas árvores frutíferas; pescando no rio; brincando com o gato Precioso e o cachorro Sentinela.Certa manhã, com a mesa do café posta, a mãe das crianças gritou desesperada:

—Cadê, meu filho? Ele sumiu. Já procurei em todos os lugares e não encontrei ele. E se uma onça comeu ele? Ou um jacaré?

Naquele instante, o avô aparece com o neto.

— Que berrero é esse? Aqui num tem onça nem jacaré.

— Graças a Deus — disse a mãe agarrando o filho.

— Eu achei ele lá no currar. Tava co copo pidino leite pra vaca. Disse que oviu nóis dizê que era só ordená que a vaca dava leite. Eu ixpriquei prele que num é ordená, é ordenhá.
No último dia das férias, na despedida, a menina disse ao avô:

— Obrigada, por não me fazer desamarrar o burro, vô. Eu tenho medo de burro.
Com ternura oavô explicou que “desamarrar o burro” era o mesmo que desemburrar, acabar com o mau humor.

Antes de entrarem no veículo para irem embora, a menina e o menino beijaram as mãos dos avós e disseram: “Bença, vó! Bença, vô”. E voltaram para o apartamento na capital paulista, com o retrato que o avô tirara e com muitas outras imagens guardadas no coração. A mãe, que não fez uso de remédios durante as férias, constatou que a pressão estava normalizada, e o pai, reenergizado para voltar à bolsa de valores.

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