Proseando : FURTO NO SUPERMERCADO

A ruiva e a loira tinham a mesma compleição física: magérrimas quais pau de virar tripa, incisivos que ultrapassavam o lábio inferior, cabelos desgrenhados, estrábicas. Diziam-nas irmãs, mas eram somente vizinhas. A ruiva, viciada em objetos de grife, gostava de exibir a chiquérrima Louis Vuitton adquirida em imorredouras prestações. A loira, inflada de inveja, aventava: “Do jeito que você é distraída, qualquer dia esquecerá essa… bolsinha por aí”.
Pelo menos três vezes por semana iam ao supermercado no Itaim Bibi. Dentro do estabelecimento se separavam porque a loira era morosa, indecisa nas escolhas. Quanto à ruiva, tinha a mania de deixar o carrinho num canto qualquer e ir buscar produtos em gôndolas de outros corredores. Frequentemente esquecia a bolsa dentro do carrinho.
Certo dia, após encerrar as compras, preocupada com a demora atípica da ruiva, a loira resolveu procurá-la. Encontrou-a inamovível.
– O que houve?
– Minha bolsa.
– O que tem a sua bolsa? Ela está ali, no carrinho.
– Sim. E está aberta. Alguém mexeu nela. Ai, meu Deus!
Saboreando a preocupação da vizinha, a loira sugeriu-lhe que conferisse o conteúdo da bolsa. A ruiva, extremamente nervosa, vasculhou tudo e constatou aliviada: “Não falta nada, graças a Deus!” Realmente, não faltava. Sobrava. Alguém colocara um bilhete que ela só encontrou ao voltar pra casa: “Sou louco por você. Penso em você todos os dias”. Imediatamente, foi mostrar a novidade para a vizinha. A loira torceu o nariz, desdenhou e fez promessa para que não fosse verdade.
Outros bilhetes apareceram: “Estou apaixonado por você”, “Quer namorar comigo?”, “Quero sentir o perfume do seu corpo”. A ruiva enlouqueceu. Ficou noites sem dormir. Necessitava desvendar o mistério. Por isso, prometeu a si mesma que deixaria o carrinho a uma distância segura, para que pudesse flagrar o pretendente, sem ser notada.
Naquela tarde, o Adônis encarnado surgiu não se sabe de onde e parou ao lado do carrinho. Cautelosamente, abriu a bolsa e depositou mais um bilhete. Ela, com a felicidade de quem ganhou na loteria, apressou o passo até o rapaz.
– Então é você! Estou adorando seus bilhetinhos de amor. Também estou apaixonada por você, meu lindo!
– Também? Pirou, dona? Acha mesmo que eu seria capaz de me apaixonar por alguém como você? Ah, vá te catar!
Entraram em discussão acalorada. Trocavam farpas quando a belíssima jovem, desfilando com Louis Vuitton igualzinha a dela, passou por eles. O rapaz, após balbuciar “É ela! É ela!”, ensaiou correr atrás da moça. A ruiva se esgoelou:
– Segurança! Segurança!
O segurança apareceu. Ela, derrubando lágrimas enquanto mexia e remexia nos objetos da bolsa, efetivou a denúncia:
– O rapaz aqui é o autor do furto.
– Tá louca?
O segurança agarrou o braço do rapaz e inquiriu:
– O que foi que ele furtou, senhora?
– Esse rapaz, que é belíssimo por sinal, me furtou…
– Não furtei nada, maluca, destrambelhada!
– Furtou sim. Furtou o meu… coração!