História : Gripe espanhola: há 100 anos a morte rondou lares de Pindamonhangaba

Com o título “Influenza Hespanhola”, o jornal Tribuna do Norte, em sua edição do dia 20 de outubro de 1918, informava sobre a chegada da já esperada gripe que vinha fazendo vítimas por todo o Brasil. “Infelizmente nossa terra foi invadida pelo “Influenza” e raro é o dia em que não se verifica alguns casos; por todos os cantos da cidade aparecem pessoas atacadas desse mal”, registrava aquela edição da TN em sua primeira página.
Para não alarmar o povo, o Serviço Sanitário do Estado procurava atenuar a divulgação do fato ressaltando que a moléstia, apesar de seu alto grau de contagiosidade, “tinha reinado em caráter benigno, os poucos óbitos até então registrados eram devidos a complicações secundárias, dependentes talvez de condições individuais”. Informava também que não era a primeira vez que se verificavam tais surtos epidêmicos da “influenza”. A gripe já havia assolado a Europa em 1889.
Sobre o assunto, Athayde Marcondes, em Pindamonhangaba Através de Dois e meio Séculos (Tipografia Paulista-SP,1922) registra que os primeiros casos da gripe em Pinda surgiram no dia 6 de outubro daquele ano, e que quatro dias depois o número de infectados aumentara.
O itinerário da morte
Segundo a Tribuna do Norte, as notícias telegráficas (o meio mais rápido de espalhar uma informação na época) davam conta que os primeiros casos haviam sido importados para o Brasil pelo navio “Demerara”, que em 26 de setembro de 1918 chegara à Bahia. No dia 30 daquele mês surgia o primeiro caso em Niterói e, depois de grassar no Rio de Janeiro, havia chegado, no dia 8 de outubro em Pernambuco. Dois dias depois já estava no Pará e, em mais dois dias, no Rio Grande do Sul. Em São Paulo os primeiros casos tinham sido importados do Rio de Janeiro.
Em Guaratinguetá, o primeiro caso confirmado foi em uma pessoa que estivera no Rio visitando uma família infectada pela moléstia. em uma pessoa vinda do Rio. Em Lorena já havia 90 casos registrados na unidade do Exército ali aquartelada. Em Santos, o mal proliferava nas companhias das docas.
Medidas profiláticas
Na mesma matéria a TN divulgava as instruções dadas pela Diretoria de Serviços Sanitários, no que referia às medidas aconselhadas para se evitar a propagação da moléstia. A primeira era evitar as aglomerações, principalmente aquelas realizadas à noite (teatro, cinema, tertúlias literárias, reuniões sociais, atos religiosos etc.), principalmente os eventos realizados à noite, ocasião em que o mal se propagava com maior intensidade.
A profilaxia deveria ser individual. Recomendava-se cuidados com a mucosa nasofaringiana (porta de entrada dos germes); inalações de vaselina mentolada; gargarejos com agua e sal, água iodada, ácido cítrico, tanino e infusões de plantas contendo tanino, como folhas de goiabeira e outras; sal de quinino, doses 0,25 q 0,50 centigramas por dia; evitar fadiga e excesso físico.
Aos primeiros sintomas que se procurasse imediatamente o leito, repouso absoluto e sem visitas.
Se todas as precauções fossem adotadas a epidemia haveria de atingir seu auge no prazo de seis semanas.
As providências do município
Até o dia 20 de outubro a gripe ainda não havia causado nenhum óbito no município, mas Pindamonhangaba vivia em plena crise de epidemia. As escolas tinham interrompido as aulas e, por ordem da Secretaria do Arcebispado, as cerimônias religiosas antes realizadas à noite passaram a ser à tarde, antes das 17 horas.
O delegado de polícia, Carvalho Franco, ordenou aos inspetores de bairro que verificassem quaisquer casos de gripe em seus quarteirões e tomassem as devidas providências. Também foi afixado um aviso no mercado municipal para dar ciência ao povo sobre a existência do hospital.
A Associação Cruz Vermelha, com as senhoras Guiomar Lessa Cesar (presidente), Elvira Bastos (vice), Mariquinhas Monteiro, Maria da Glória Noqueira e Tereza Tolosa, foi às ruas em busca de auxílio em favor dos enfermos, arrecadando roupas, roupas de cama, chinelos e dinheiro.
Hospital de isolamento
Preocupados com a população mais carente de recursos, a administração municipal, na época tendo à frente dois “alfredos”, o dr. Alfredo Machado como presidente da Câmara e como prefeito em exercício o vice-prefeito, major João Alfredo, adquiriu, do cidadão José Malabarba, um sobrado amplo situado na rua Gregório Costa, proximidades da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil. Ali foi instalado um hospital provisório para receber gratuitamente os doentes infectados pelo “influenza”.
Para dirigir o serviço clínico daquele hospital de isolamento fora designado o dr. Navarro de Andrade, fiscal do governo estadual junto à Escola de Farmácia e Odontologia de Pindamonhangaba. Sob a liderança do dr. Navarro, uma equipe de estudantes da escola de Farmácia se encarregou de organizar as estatísticas dos enfermos, e outra, formada pelos estudantes do primeiro ano, se responsabilizou pelo serviço de farmácia. A diretora da Santa Casa, irmã Maria Eugênia, se colocou à disposição, passando a trabalhar também no hospital.
Para auxiliar a sua gente naqueles momentos difíceis, o médico e na ocasião deputado estadual, dr, Claro Cesar, retornou a Pindamonhangaba.’’
O delegado de polícia, Carvalho Franco, ordenou aos inspetores de bairro que verificassem quaisquer casos de gripe em seus quarteirões e tomassem as devidas providências. Também foi afixado um aviso no mercado municipal para dar ciência ao povo sobre a existência do hospital.
Fazendo vítimas
As edições da Tribuna, além dos falecimentos, informava que a gripe ia fazendo vítimas na cidade e nos bairros.
Pelo menos 45 militares do 4º Corpo de Trem, estavam sob o cuidado do dr. Oscar Varella, médico daquela unidade do Exército estabelecida no município. Na estação, o agente havia sido atacado pela gripe, mas apesar disso o serviço não foi interrompido, consta que ele ficava deitado junto ao aparelho com o qual trabalhava.
Muitos casos surgiam em Moreira Cesar e no bairro do Bonsucesso. No bairro do Crispim haviam encontrado muitos doentes em estado de penúria. Graças aos últimos recursos do 4º Corpo do Trem, foram socorridos, pois, segundo a Tribuna do Norte (24/11/1918), as entidades Cruz Vermelha, Damas da Caridade e Sociedade São Vicente de Paulo já não dispunham mais de recursos.
Com a finalidade de evitar aglomeração, o pároco, padre José Loyelo Bianchi, providenciou um carro para trasladar a imagem de Nossa Senhora do Socorro para a igreja matriz, onde durante o dia os fiéis faziam a prece milagrosa pedindo ao fim da epidemia (TN, 4/11).
Enquanto no hospital de isolamento de Pinda, os doutores Navarro Andrade, Ayres Bastos, Oscar Varella, Gustavo de Godoy e os estudantes da Escola de Farmácia trabalhavam com afinco no atendimento às vítimas, outros estudantes da citada escola seguiam para São Paulo, para auxiliar o governo paulista na mesma luta.
Infectados na luta contra a peste
No desempenho da dolorosa missão de combater e atender às vítimas da gripe espanhola, acabaram-se contraindo o vírus influenza o dr. Claro Cesar, que tinha deixado o Congresso para se unir aos seus concidadãos, sua esposa Guiomar Lessa César (presidente da Cruz Vermelha local); o dr. Ayres Bastos, sua esposa Elvira Bastos (vice-presidente da cruz Vermelha); o pároco, padre José Loyelo Bianchi; o estudante Jacy Assunção, o professor Athayde Marcondes, Plínio Cabral e Claro von Blom Godoy. Felizmente todos haviam se reestabelecido.
O declínio na epidemia é divulgado na edição de 1º/12/1918 da Tribuna, com a seguinte comparação: “a média de óbitos, que de 20 de outubro até 15 de novembro havia sido de seis mortos por dia, tinha caido para cinco mortos por dia tomando-se o mesmo dia 20 de outubro como ponto de partida até o dia 30 de novembro”.
O fim da epidemia
A notícia do fim da epidemia veio na Tribuna do dia 8/12/1918 com uma nota onde o articulista dava graças à misericórdia de Deus e anunciava o fechamento do hospital de isolamento e o retorno do dr. Claro Cesar à capital para suas atividades como Deputado.
Na semana seguinte, edição de 15/12, a Tribuna confirmava que em acordo com o dr. Navarro Andrade, o presidente da Câmara, Alfredo Machado autorizou o fechamento do hospital e providenciava que suas dependências fossem desinfetadas.
Naquela edição, o jornal concluía sua cobertura aos acontecimentos relacionados à proliferação da gripe em Pinda salientando o grandioso trabalho que havia sido prestado pela administração municipal, Sociedade Cruz Vermelha, Sociedade São Vicente de Paulo, estudantes da Escola de Farmácia, 4º Corpo de Trem, Delegacia e destacamento policial, Linha de Tiro 539 e a população, que estiveram unidos no mesmo combate.

  • O município contava com uma população de pouco mais de 20 mil habitantes e óbitos eram registrados diariamente, causados pela não resistência à infecção