“inspire-se” – Profissão: PROFESSOR

Eu sou professora só há sete anos. Mas já trabalhei como merendeira em escola e em creche. Na creche, tinha uma professora, a Ângela, que toda semana trazia um livro para eu ler… Um dia, ela trouxe uma revista e me pediu para ler um artigo. Eu li. E entendi que o texto dizia que ‘meu mundo era maior do que aquela cozinha’. Só que eu ganhava $515 reais por mês e pagava $300 de aluguel, logo, eu não tinha condições de pagar uma faculdade.

Outra professora, a Monique, me perguntou por que eu não fazia Pedagogia e eu expliquei a ela que não tinha condições financeiras de estudar. Só que eu não me lembrava que em 2007 eu havia prestado o Enem {Exame Nacional do Ensino Médio}. Na época, eu não tinha dinheiro nem para arcar com o valor da inscrição. Então eu assinei um ‘atestado de pobreza’ e fui isenta da taxa.

Como já fazia 20 anos que eu não estudava, nem imaginei que eu fosse passar no Enem. Para minha surpresa eu passei, mas não consegui bolsa aquele ano. Em 2008, lá fui eu fazer o exame novamente. Como eu ainda não podia pagar a taxa de isenção, eu assinei novamente o ‘atestado de pobreza’ e fui fazer a prova.

Em 2009, eu não tinha computador e nenhuma estrutura, mas um amigo meu, um rapaz que tem a idade do meu filho (hoje com 29 anos), me disse: ‘deixa que eu vejo pra você o resultado do Enem’. Nesse espaço de tempo, a professora Monique pediu meu RG e disse que faria minha inscrição para o vestibular. Eu deixei meus documentos com ela, mas ela não me devolvia para eu fazer o pagamento. Eu já estava nervosa porque seria o último dia de pagar o boleto; mas ela me garantiu que traria no dia seguinte e que eu conseguiria pagar no meu horário de almoço… No outro dia, quando eu cheguei à cozinha, tinha um envelope ‘aos meus cuidados’. Eu abri e o boleto, que estava dentro do envelope, já estava pago… Eu fui até a sala dela, mas ela me disse que não tinha sido ela, mas sim outra professora que se prontificou a pagar como uma espécie de ‘presente’. Tinha sido a Ângela – aquela que sempre me trazia algo para ler.

O Rafael me avisou que eu tinha passado no Enem e que poderia me inscrever para o Prouni {Programa Universidade para Todos}. Eu me inscrevi para Pedagogia, para História e outras três opções. Lá fui eu prestar o vestibular. Mesmo sabendo que eu não tinha dinheiro nem para pagar a matrícula…

Uma vizinha foi em casa e me perguntou se era verdade que eu iria fazer faculdade. Eu respondi que sim. Então ela me questionou como eu iria pagar a faculdade. Eu disse que também não sabia como, mas acreditava que Deus enviaria recursos. Foi aí que ela me entregou um envelope fechado e foi embora. Eu entrei, abri o envelope e dentro estava o valor da matrícula. Eu a agradeci muito e fui correndo pagar. Com a matrícula paga, vinha outro desafio: ‘como bancar a faculdade?’. Mas eu não desisti no meio do caminho. Como eu trabalhava até as 16 horas na cozinha da creche, eu chegava em casa e saía para vender os salgados que eu havia feito na noite anterior, eu ficava até uma hora da manhã fazendo salgados e no dia seguinte, eu entrava no serviço às 7 horas. Todos os dias, depois das 16 horas, eu pegava a minha bicicleta e saía pra vender: de porta em porta. De comércio em comércio… Eu cheguei a ter uma clientela boa e isso me ajudou a bancar a faculdade. Cansaço… Eu nem reparava…

Depois desse emprego, eu trabalhei em um escritório. Já trabalhei também no projeto ‘Educação nas Prisões’, onde fiquei quatro anos como alfabetizadora em presídios. Isso com cinco meses de formada. Mas antes, em 2012, eu ainda estudava, quando uma amiga me falou que estava aberto um edital para concurso da Rede Municipal de Ensino de Pindamonhangaba. Eu disse que nem havia me formado ainda; mas ela me convenceu porque o edital tinha validade de quatro anos. Eu me formei neste mesmo ano.
Quando eu assumi o concurso aqui, eu peguei uma sala na escola “Francisco de Assis”, em Moreira César; depois fui para a “Mário de Assis” e depois, para a creche “Isabel Pereira da Silva” e hoje eu trabalho aqui na “Mário Bonotti”. Eu fui registrada na rede pública no dia 1º de abril de 2016 e quando fui pegar a minha carteira no RH, eu abri e li, ‘função: professora’, eu gritava que nem uma louca dentro do carro: ‘deu certo, deu certo, deu certo!’

Hoje eu sou formada em Pedagogia, especializada em Psicopedagogia e estudo Libras. E essa é a minha história de vida: eu já fiz trabalhos da faculdade literalmente à luz de velas, porque morava de favor e precisava economizar energia elétrica. Já morei na rua, com uma criança de sete anos, sem ter para onde ir… Mas no meio de tudo aquilo, meu filho olhava pra mim e dizia: ‘mãe, um dia nossa vida vai dar certo!’ e eu acreditei nisso! E acreditei que um dia eu viraria professora… Hoje, meu filho tem muito orgulho de mim. Ele é casado. Eu já sou avó e há sete anos eu deixei de ser a Kátia para se tornar a professora Kátia. Eu amo o que eu faço, mesmo não sendo uma profissão fácil, é uma profissão maravilhosa. Sempre que leio na lousa ‘professora Kátia’ eu falo ‘meu Deus, deu certo! Mas deu certo porque por maiores que fossem as minhas dificuldades, eu sempre tive anjos e pessoas sensíveis que olhavam pra mim. Os meus pais sempre acreditaram em mim. Meu pai não chegou a me ver formada, mas lutou muito para que seus três filhos estudassem, para que tivéssemos, no mínimo, o material escolar. E hoje, meu maior orgulho é meu filho, aquele que morou na rua comigo, virar e me dizer: mãe, você é minha inspiração!

Eu me chamo Kátia Mendes, tenho 47 anos, sou professora na Escola Municipal “Padre Mário Antonio Bonotti” e este foi o ‘Inspire-se’ de hoje.

 

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