Judicialização da saúde: muitas causas para tratar, poucas soluções

*Sandra Franco

Em tempos em que o Governo Federal e operadoras de planos de saúde deixam de suprir as necessidades (algumas vezes irreais) dos pacientes, o Judiciário passou a ser uma porta de acesso quase sem barreiras.
O crescente número de ações judiciais na área da saúde tem representado uma forte preocupação para a União e para as outras esferas também. Prova disso está no fato de, recentemente, o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, ter defendido um “receituário” para os casos em discussão nos tribunais que demandam o custeio de remédios e tratamentos. A proposta é a de que médicos informariam em um documento os tratamentos e medicamentos adequados às terapias já disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, o CRM, registro profissional do médico, ficaria vinculado ao processo.

De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, só no âmbito federal os gastos do poder público com ações na Justiça no setor saltaram de R$ 122,6 milhões, em 2010, para uma projeção de R$ 1,6 bilhão em 2016. Somando o desembolso de Estados e municípios, a pasta estima que o valor chegue a R$ 7 bilhões neste ano. De acordo com o ministro, apenas quatro dos dez medicamentos mais demandados na Justiça têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que faz o Judiciário interferir também na competência da agência reguladora, pois libera para o uso o medicamento ainda em análise.

Esses números constatam que a saúde no Brasil sofre os efeitos de uma má gestão política, econômica e administrativa. É preciso mais que do que ações pontuais para que se resolva ou, pelo menos, amenize a situação atual. Não se pode olvidar que há também uma cultura de favorecimento diretamente ao médico, seja por meio da prescrição de medicamentos desnecessários com incentivos financeiros por fornecedores e laboratórios, seja por honorários profissionais que o médico irá receber pelo procedimento. Tem-se assistido ao desmanche de quadrilhas formados por profissionais da saúde com escopo de fraudar o sistema de saúde quer público quer privado, por exemplo, ao prescrever medicamentos pela marca, em vez de indicar apenas o princípio ativo.

Canta-se por todos os cantos desse país continental que o sistema de saúde está à beira de um colapso. Os pacientes brasileiros sofrem com a falta de leitos, de atendimento de qualidade, com equipamentos decentes para exames e diagnósticos, com o tempo de espera para cirurgias e procedimentos, com a distribuição e o preço de medicamentos. Sem esquecer que a falta de políticas de promoção à saúde, tal como tratamento de água e saneamento básico colaboram para a indústria da doença.

É desejável que sejam criadas varas especiais nos Estados para recebimento dos processos judiciais de solicitação de atendimento ao SUS, como pedidos de medicamentos e de tratamento hospitalar. É fundamental ter um juiz especializado na área da saúde para que decisões mais justas sejam tomadas para a sociedade. Ainda que os pedidos sejam para favorecimento do indivíduo, na maioria das vezes, a decisão de forma indireta atingirá a sociedade, seja pelos recursos desviados de programas coletivos, seja porque os gastos dos sistemas privados influenciam diretamente no aumento das mensalidades de todos os usuários.
A cultura do cidadão de entender a Saúde como um direito de todos, de forma a que não se poderá suprir apenas os interesses individuais também é essencial. Aquele que usa seu plano de saúde para exames desnecessários ou judicializa para procedimentos e medicamentos que nem sequer utiliza também colabora para o caos na Saúde.

O Supremo Tribunal Federal (STF), após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, suspendeu recentemente o julgamento conjunto de Recursos Extraordinários, que tiveram repercussão geral reconhecida, e que tratam do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos não registrados na Anvisa. O único voto até o momento foi o do relator, ministro Marco Aurélio, que entendeu que nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovadas a imprescindibilidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e sua família para aquisição, e que o Estado não pode ser obrigado a fornecer fármacos não registrados na agência reguladora. Aguarda-se a posição final da Corte superior, que pode trazer ainda mais polêmica para esta infindável discussão.
Muitas causas para tratar. Muitos problemas a resolver. Poucas soluções.

*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, doutoranda em Saúde Pública, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) e membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – drasandra@sfranconsultoria.com.br