Proseando : Língua comprida

Luiz Felipe tinha olhos azuis e cabelos encaracolados. Poderia ser confundido com um anjo se não tivesse aquela mania feia de mostrar a língua a todo mundo. Bastava olhá-lo que ele mostrava a língua.

No almoço ou no jantar, o menino olhava o prato e, adivinhe? Mostrava a língua, mesmo que fosse um de seus pratos preferidos. Nem o cachorro escapava. Acho que Puldogue pensava que seu dono o imitava.

Você já viu algum cachorro com a língua de fora? Sabe o motivo? Eles não transpiram, não têm suor, mesmo que corram pra lá e pra cá atrás do gato da vizinha. A língua fora da boca é para soltar o ar quente e resfriar o corpo. Sabia disso?

Um dia, Luiz Felipe mostrou a língua à avó e foi advertido: “Ela vai crescer até não caber mais em sua boca”.

Naquele dia, saiu com a mãe e mostrou a língua a diversas pessoas. Mostrou ao senhor Franco, o gerente do banco; à dona Inácia da farmácia; ao seu Zé Maria da borracharia; ao senhor Nakamura da floricultura; à dona Iolanda da quitanda…

Depois de andarem muito sob o sol forte, a mãe notou que ele estava com a língua de fora. “Está cansado, filho?” Foi aí que ele percebeu que a língua não cabia mais na boca. Tentou empurrá-la com os dedos, com as mãos. Mas a língua, crescendo, não ficava dentro da boca.

Chegou a casa chorando, com cuidado para não tropeçar na língua. A mãe correu ao telefone. Precisava da orientação do doutor Salim Guarudo. A avó fez a filha desligar, dizendo: “Eu resolvo!”.

A velhinha foi até a sala de costura e voltou rindo com tesoura. “Tic, tic, tic, tic”. O menino implorou para que não lhe cortasse a língua. A mãe tentou interceder, mas a avó rugiu um “Confie em mim!”.

Coube à mãe segurá-lo. Ele tapou os olhos com as mãos. Mas a avó disse que a língua só voltaria ao tamanho normal se ele acompanhasse todo o processo.

A avó posicionou a ponta da língua do neto entre as duas lâminas e, com um sorriso no canto da boca, avisou: “Vou começar. Não feche os olhos”. Depois, se concentrou e disse:
– Tic, tic, tic, que esta língua não estique!

Ao fechar a tesoura, a língua se encolheu um pouco, o suficiente para fugir do corte.
– Danadinha. Ta pensando que é mais esperta do que eu? Agora você não me escapa.
Ajeitou, outra vez, a ponta da língua entre as lâminas e:
– Tic, tic, tic, que esta língua não estique!

Mais um pedaço da língua encolheu. E assim foi até voltar ao tamanho normal. O menino, aliviado, pulou no colo dela.
– Desculpe. Nunca mais mostro minha língua a ninguém.

A avó o abraçou apertadinho e disse:
– Está curado!

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