Proseando : NUNCA É TARDE PARA FAZER O BEM

Jamais me esquecerei da velhinha de lenço florido na cabeça, que vi durante todos os dias da semana vizinha do Natal. Tinha ela corpo minúsculo, rosto miúdo, pele ressequida e óculos arredondados que emolduravam a ternura. Surgia pela primeira hora da manhã, caminhando devagarinho, desequilibrada pelos empurrões da brisa, e se sentava no banco mais próximo do coreto, debaixo do ipê branco. Carregava sacola com material necessário à manufatura. Ficava ali, quietinha, com as mãos enrugadas laborando tesoura, agulha e linha nos feltros coloridos.

Sobre o banco enfileirava suas criações: bonecas, ursinhos, passarinhos, cavalinhos, e toda obra de Deus que fosse possível reproduzir pela arte. Eu ficava num banco próximo, saboreando a luz daquela pessoinha, daquele anjinho feminino.

Lembro-me quando a mulher mais rica da cidade a abordou:
— A senhora é uma artesã maravilhosa. Já pensou em ganhar muito dinheiro com o seu talento?
A velhinha sorriu e disse, honestamente:
— Dinheiro não é tudo.
O socialite, segurando a bonequinha de cabelos loiros, perguntou:
— Quanto custa?
Antes de qualquer resposta, a menininha descalça, de vestidinho rasgado, puído, se aproximou e apontou a boneca nas mãos da ricaça.
— Eu quero, mamãe?

A mãe arrastoua filha pelo braço, dizendo:
— Não tenho dinheiro pra comprar comida, vou ter pra boneca!?

A senhorinhase levantou, recuperou a bonecae a entregou à menina.
— Não posso comprar, dona. Devolve, filha.
— É presente. Presente de Natal.

A mãe, de olhos marejando, beijou as mãos da senhorinha e a agradeceu repetidas vezes. E foi embora com a filha.
¬— Por que fez isso? Por que deu a boneca à faveladinha que não tem onde cair morta! Desse jeito, jamais terá uma fração de minha riqueza.
— A senhora viu o sorriso da menininha?
— Sorriso? Eu lá tenho tempo pra ver sorriso de criança?
—Moça, eu não faço artesanato para vender. Sei como é traumático querer um presente e não poder ganhar. Vivi isso na infância.
— Quer que eu chore? Desse jeito vai morrer pobretona.
— Eu já fui igualzinha à senhora. Demorei a entender o significado da vida. Hoje sou mais rica do que a senhora. O dinheiro não é o que mais vale na vida.
— Mais rica do que eu? Fala sério!
— Não tenho o dinheiro que a senhora tem, mas tenho coleções de sorrisos, de abraços, de gratidão, guardados no coração.E a senhora, o que tem no coração?

A ricaça foi embora empinando o nariz.
Fiquei sabendo que, depois do natal, a artesãfoi embora da cidade. O cancro a levou para o jardim de Deus.