Proseando : O AMOR BATE À PORTA

Ela relutou. O conselho da amiga infringia o seu padrão de conduta. Não que fosse algo pernicioso. Longe disso. Mas semelhava a um vulcão explodindo a sua timidez. O que pensariam dela? Foram dias e noites reavaliando aquela possibilidade até que, numa madrugada chuvosa, após a solidão a ferir com mais ferocidade, elaborou o texto:

“Procuro um homem que se guie pelos bons valores morais. Um homem temente a Deus. Um homem que me respeite, que me ame, que seja fiel, trabalhador. Um homem que me faça rir, que me acolha em seu colo. Um homem que valorize mais a alma do que o corpo. Se você apresentar todos esses requisitos, venha conversar comigo. Meu endereço é...”

Os jornais e revistas de maior circulação do Estado, convencidos por uma generosa quantia monetária, publicaram aquele texto debaixo da foto da mulher.

Quem passava pelo endereço indicado, via a aglomeração de pretendentes se acotovelando para chegar até à porta da residência. Uns, levando ramalhetes; outros, bombons. Um, mais generoso, levou uma joia.

A fim de evitar tumulto, a senhorinha abriu a porta e ordenou que entrasse um de cada vez.
— Boa tarde. Sente-se, por favor.

O rapaz de jaqueta de couro alisou os cabelos, suspendeu uma das sobrancelhas, ensaiando pose de galã. Seus olhos vasculhavam o local na expectativa de ver a moça do jornal.
— O senhor aceita um chá?
— Não, não. Muito obrigado.

A senhorinha sentou-se na cadeira de balanço de frente para ele, com os olhos no assoalho e um sorriso quase imperceptível. Depois de um quarto de hora naquela mesmice, o pretendente perguntou:
— E sua neta, cadê? Vem ou não vem?

A velhinha abaixou a cabeça e apontou o indicador para si.
— Oi? Não entendi. Cadê sua neta?
Com muito sacrifício, ela entregou a ele um exemplar do jornal e revelou:
— Não tenho neta. Essa da foto sou eu quando jovenzinha.

O rapaz se levantou, jogou o jornal no chão e saiu marchando, dizendo asperezas. Não contou aos demais. Queria que todos eles também se decepcionassem.

Depois da dezena de tentativas, a velhinha bateu a porta e a trancou. Sentou-se no chão da sala e começou a chorar. Entre um soluço e outro, bateram na porta. Gritaram seu nome. Voz de homem. Aquela voz. Hum! Ela conhecia, mas não se lembrava de quem era.

A curiosidade a pegou pelas mãos e a conduziu até a porta.
— Finalmente reencontrei você. Graças ao anúncio que publicou. Procurei por você em várias cidades, em vários Estados…
— Você é o…
— Sim. Sou o seu namoradinho da juventude. Jamais me esqueci de você.
Ele enfiou a mão no bolso e tirou uma caixinha. Continha um par de alianças.
— Quer se casar comigo?