Lembranças Literárias : O beijo da morta

Cresce a invernosa noite, um frio intenso
morde-me as carnes: – lívido, gelado,
no leito me ergo… e escuto o desolado
vivo do inverno, atroz, convulso, imenso…

Tento dormir. Em vão! Escuto e penso,
penso na eterna ausente… Ah! Se a meu lado
ela estivesse! Um beijo perfumado!
Um só! Me fora ardente e ideal incenso…

Abre-se então de leve a minha porta…
É ela! Entrou. Na palidez da morta
uma aurora de beijos irradia!

Caminha… chega e diz-me num segredo:
“Une teu rosto ao meu, não tenhas medo;
venho aquecer-te, a noite está tão fria!”

Luiz Guimarães, Tribuna do Norte, 10/4/1924

  • Créditos da imagem: Pinterest