Proseando : O Dia da Caça

Não teve filhos. Não porque não quisesse. Queria. Era o seu maior sonho. A culpa era de um sei-lá-o-quê de nascença que o impedia de procriar. Chegou a ser submetido a cirurgias, mas não adiantou. Milagre, só Deus.

Namorou algumas vezes. Chegou a estar noivo. Mas nunca experimentou o contato pleno.
— Só depois do casamento.
Não casou e, por não suportar fofocas sobre ele, foi morar numa casinha de madeira podre enfiada na mata atlântica, que o vento só não derrubava por piedade. Quando era inevitável ir à cidade, pendurava a espingarda no ombro. Maneira de dizer “Não mexa comigo”.

O tempo foi passando e ele sentindo a vida cada vez mais descolorida. A solidão só é insuportável quando nos abandonamos. E ele se abandonara. Descrente de tudo, no fim da tarde, enroscou corda grossa no galho mais alto de mangueira. Posicionou escada e pôs o pé esquerdo no primeiro degrau. Não chegou a alcançar o segundo, pois um cãozinho, saído sabe-se lá de onde, abocanhou-lhe a barra da calça. Ele tentou se desvencilhar, tentou chutar o animal. Não conseguiu. Como a noite já acontecia, decidiu adiar a decisão, entrando no casebre. O cão, qual foguete, passou por debaixo das pernas dele ese enfiou debaixo da cama.

No outro dia, ao acordar, encontrou o animalzinho pulando em sua cama. Lembrou-se do sonho: “um anjo me disse para cuidar desse cãozinho como se fosse meu filho”.

Durante semanas tentou ensinar ao canino a arte da caça. Tentou. O cãozinho só queria brincar. Numa dessas tentativas viu, ao longe, uma capivara escondida no mato. Limpou os óculos na barra da camisa, ajeitou-os sobre o nariz, apoiou a espingarda no ombro, fez mira, puxou o gatilho. Zuiiiiiim!!! O cãozinho disparou na direção da presa e saltou. Com o salto, o projétil o atingiu antes da capivara.

O homem correu, desesperadamente, para avaliar o estado do cãozinho. Quando chegou perto, compreendeu o ato heroico: a capivara estava com filhotinhos.

Se arrependimento matasse, o homem estaria morto. Sem perder tempo, correu ao veterinário. Dias depois, o cãozinho já fazia estripulias novamente.

A espingarda foi enterrada e o homem conheceu a felicidade. Tornou-se pai do cãozinho, da capivara, dos filhotinhos e de todo animal que aparecia.

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