Proseando : O DOMADOR DE PULGAS

O homem de bigode postiço -imitaçãodaquele usado por Salvador Dali – conferia itens na mala de couro.
– Garrafa plástica com água e sabão. Confere. Fazedor de bolhas de sabão. Confere. Focinhos de ajudante. Confere. Varinha de domador. Confere. Caixinha com pulgas. Confere.
Após a conferência, vestiu o macacão de dálmata, enfiou o gorro de orelhas na cabeça, entrou no automóvel e partiu. O veículo customizado era atração na cidade. Toda a lataria do fusquinha 1968 fora pintada com motivos caninos, e a buzina latia.
Manobrou por quatro quarteirões, estacionou, pegou a mala e caminhou na direção do edifício.Naquele dia não pôde retribuir ao carinho das pessoas, pois quatro cães mendigos correram ameaçadores atrás dele. Ileso, mas esbaforido, dentro do hospital acenou aos recepcionistas e subiu a escadaria. Entrou no corredor de muitas portas e parou diante daquela de número 26. Abriu a porta bem devagarinho e viu a mãe, em imorredoura vigília, segurando a mão da filha acamada. Latiu três vezes e entrou saltitante, fazendo muitas bolhas de sabão. As mais ousadas pousavam felicidade sobre o nariz da criança.
– Ei, você – disse ele apontando para a menina – Quer ser minha ajudante?
A menina sorriu e moveu a cabeça aceitando o convite.
– Muito bem, garotinha linda. Você vai me ajudar a domar pulgas. Mas antes me diga: quantas pulgas você tem?
– Eu? Nenhuma – respondeu rindo.
– E a mamãe, quantas pulgas tem? Cem?
A mãe, contendo o riso, levantou o indicador negando a propriedade.
– Vocês não têm pulga? Que peninha. Mas eu tenho. Cinco! –mostrou a mão espalmada.
Depois, abriu a mala, retirou focinhos postiços e colocou no nariz das duas. Em seguida, bateu coma varinha na caixinha vazia e chacoalhou-a vagarosamente.
– Aqui estão minhas pulguinhas rebeldes.
Desajeitado, derrubou a caixinha no colchão. Levou as mãos à cabeça.
– Minhas pulgas fugiram. Uma pulou na sua orelha. Acho que ela vai querer morar aí, menininha.
O gesto da menina para tirar a pulga de trás da orelha, removeu a peruca que usava. Antes que os lábios formassem biquinho de choro, o domador de pulgas tirou o gorro com orelhas e colocou na menina. Agora o careca era ele.
Naquele instante, o oncologista entrou no quarto, recolheu a peruca e disse:
– Essa peruca vai pro lixo.
E antes que alguém contestasse, completou:
– A filha de vocês está curada.