Proseando : O PÃO DO AMOR

Naquele 24 de junho de frio glacial, fui convidado para uma festa junina na roça, na região da Serra da Mantiqueira, do jeitinho que gosto.
Gosto das festas juninas com barraquinhas onde vendem arroz doce, bolo de milho, pé de moleque, quentão e tantas outras delícias. Gosto daquelas que têm fogueira, pau de sebo, correio elegante e sanfoneiro tocando músicas tradicionais, como “Isto é lá com Santo Antonio”, do inesquecível Lamartine Babo. Sou contra a invasão do country e a “modernização” através do funk. Quadrilha caipira tem de ser quadrilha caipira, sem invencionices.
Saí de casa com certa antecedência. Sou motorista prudente, não piloto de fórmula 1. Assim que passei pela ponte do rio Paraíba, observei o céu exuberante com estrelas polidas saudando o passeio da lua cheia. Belíssima noite para confissões de amor, para beijos, abraços e demais formas de carinho.
Assim que estacionei, fui recebido pelo amigo que me convidara. Apresentou-me para algumas pessoas e sugeriu que eu caminhasse pelo local, que me enturmasse.
A festa estava cheia, cheia de mulheres lindas. Mas teve uma que fez meu coração enlouquecer. Estava com amigas, dançando e cantando: “Eu pedi numa oração, ao querido São João, que me desse o matrimônio…”. Trocamos alguns olhares. Quando decidi me aproximar, senti uma indisposição. Frio não combina com hipertensos. Precisava ir embora. Só tive tempo de enviar a ela um correio elegante com meu nome e telefone.
Antes de ir para casa, passei na padaria. Tenho costume de comer pão antes de dormir. Comprei meia dúzia. Ao sair do estabelecimento, encontrei um cão tão magro que mal conseguia ficar em pé. Não tive dúvida: dei a ele um dos pães. Abocanhou o alimento, mas não o comeu. Com dificuldade, começou a caminhar. Segui-o.
Não longe dali, havia um morador de rua embrulhado em farrapos, encolhido de frio, dormindo na calçada, sobre papelões. O cão se aproximou, colocou o pão no chão e lambeu a face do homem. Depois abocanhou o alimento e o entregou ao miserável.
Somente corações empedernidos ficariam insensíveis àquela cena. Aproxime-me, ofereci os demais pães, retirei o casaco e disse: “É seu”.
Voltei para casa sem os pães, sem pressão alta e com o coração aquecido. Agora é esperar o telefone tocar.

Maurício Cavalheiro
Cadeira nº 30 da APL – Academia Pindamonhangabense de Letras