Vanguarda Literária : O Poeta Cearence Haroldo Lyra

* O autor é médico, mestre e doutor pela USP, professor universitário, Magister ad Honorem da Universidade de Bolonha, e Professor Visitante das Universidades de Bonn, Munique, Colônia e Berlim (Alemanha). Professor Convidado da Universidade de Paris V (Sorbonne)

Há algum tempo, com muita alegria e honra, os originais do livro de poesias do poeta cearense HAROLDO LYRA, estimulando-me o exercício de agradável leitura. Em tudo o que ele escreve há motivo para meditação: vai da crítica social, à filosofia e ao lirismo.
Lendo Haroldo Lyra desvelamos um poeta em que o poema é a consubstanciação genuína entre o viver e o cantar, como já escreveu ,certa vez, o fenomenal poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), um dos precursores do simbolismo. O poeta lírico que podemos apreciar no vate da ‘Terra da Luz’ traz consigo a agilidade criadora que o faz passar de uma inspiração a outra sem submergir nos lugares comuns. Poesia que traz as marcas do humanismo, no conteúdo e na forma, caracterizado por uma simplicidade impressionante. Artista ciente e consciente das virtualidades que expressam o seu instrumental: o verso espontâneo e claro, no idioma pátrio, mostrando o mundo com o poder maravilhoso e sintético das suas imagens evocadoras de doces passagens. Imagens emocionantes que nos conduzem ao passado (“ O passado que é História da nossa História”, como pontuou o grande Tristão de Ataíde) como vemos no poema seguinte:

FORTALEZA DO MEU TEMPO
Sou do tempo em que a cidade
Contemplava a mocidade
Com amor e singeleza.
Posto fosse adolescente,
Ou criança ao sol nascente
Era adulta fortaleza.

Fazer noturna seresta
Era um motivo de festa
Que alegrava o coração,
Na frente de uma janela,
Jurando amor ‘a donzela
Nos versos de uma canção.

O verdadeiro poeta sabe que a poesia também é um ato de espanto, de assombro, que leva às paragens da filosofia, ao espantar-se ante a beleza do Universo e, indignando-se ante o sofrimento humano e as mazelas da sociedade (basta ler “ Rima de Cão”). Assim, Haroldo Lyra estabelece uma dialética muito especial: emoção diante da beleza e justa revolta ante a rudeza do sofrimento do semelhante e constrói o seu estro poético ‘a altura do ato filosófico. E,creio que os filósofos existencialistas em especial, a tríade: Husserl, Heidegger e Merleau Ponty ficariam contentes ao ler alguns versos do poema abaixo:

O TEMPO
Desde quando este mundo começou
Que o homem quer o mundo controlar:
O antigo, de passado já chamou,
O agora, de presente, vem chamar.

E o homem tropeçou… Que tropeção!
No tempo em que não quis acreditar,
Nem sequer, despertou-lhe o carrilhão
Pr´aquilo que jamais vai despertar.

Como é agradável ler os versos plenos de singeleza, irmã – gêmea da ternura, do poeta Haroldo Lyra! Eles nos ensinam que tanto a aurora como o poente simbolizam a esperança que retorna, Deus a nos sorrir e o amor oscular a nossa alma.
John Nist, estudioso de poetas brasileiros, linguista célebre, autor de
“Modern Brazilian Poetry: Na Anthology”, publicado pela Universidade de indiana (EUA), em 1962, na qual figuram , entre outros, Carlos Drumond de Andrade e Manuel Bandeira, atribui à poesia a qualidade mágica de ser transcendente ,visto que, para ele, é um “ Mistério Natural”. E, é uma das funções do poeta assinalar o sobrenatural no quadro do cotidiano. Isso, o Haroldo Lyra consegue expressar em seus verso, sobretudo nos poemas Sinuca e Arraiá do sonho Meu.
Platão, em FEDRO, assim se referiu ao êxtase vivenciado pelos Aedos da Grécia Antiga: “A possessão e o delírio das musas apoderam-se de uma alma sensível, despertam-na em cantar”. É o que acontece com o estimado poeta Haroldo para deleite dos seus irmãos-poetas, em versos cristalinos, tão cristalinos com as límpidas águas que descem das montanhas.Versos que, contribuirão para tornar os homens mais fraternos (essa também não é mais uma missão do poeta?) nesse momento atual de violência e de crise, em todos os sentidos,pela qual passa a nossa civilização ocidental.

Ave, poeta Haroldo Lyra!