História : “Talvez Pinda não saiba”, crônicas de Cuiabá

A história que contaremos nesta edição se refere a um daqueles intrépidos pindamonhangabenses que, deixando a terra natal, se aventuraram em expedições pelas terras selvagens do imenso Brasil então colonial.
Quem foi garimpar o fato que vamos revelar, mesmo não sendo filho natural, foi morador atuante desta cidade, seu nome: Lellis Vieira! Nas “terras da Princesa” ele teria chegado (ainda desconhecemos sua cidade de origem) no finalzinho do século dezenove, para trabalhar no comércio.
Nos anos quarentas, quando Lellis Vieira era cronista colaborador do jornal Tribuna do Norte e também diretor do Departamento de Arquivo do Estado de São Paulo, portanto, tinha acesso a antigos documentos, ele escreveu, na edição de 8/11/1942 deste jornal, o artigo intitulado “Talvez Pinda não saiba”, tema de nossa página desta terça-feira.
Lellis, assim como diversos cidadãos que adotaram este município como sua casa, começa destacando: “Pindamonhangaba, a princesa do norte do vale do paraíba, foi sempre a notável cosmos de homens ilustres em todas as gerações”. E reforça: “Dali saíram juristas, políticos, parlamentares, médicos, engenheiros, pintores, músicos, mestres, padres, monsenhores, bispos, chefes de governo, presidentes de estado, mártires, artistas, fortunas, projeções, banqueiros, poetas, romancistas, historiadores, finalmente não há ramos, mesmo nas heroicas esferas militares em que o pindense não se tenha feito representar em destaque e notoriedade”.
Depois desse ímpeto de orgulho à terra amada ele confessa que a sua mania de compulsar papéis velhos foi que o levou a conhecer o trabalho de um antigo diretor do Arquivo do Estado de São Paulo, o historiógrafo Antônio de Toledo Piza, no volume IV de revista do Instituto Histórico de São Paulo – 1898/1899. Revista que divulgava manuscritos com a narrativa dos principais acontecimentos que se deram em Mato Grosso referente às expedições de paulistas naquele estado até o século XVII.
Nela, Antônio Toledo Piza reproduz o manuscrito de autoria de Joaquim da Costa Siqueira, vereador da Câmara de Cuiabá, narrando episódios mato-grossenses. Falando dos heroísmosdos homens daquela época, assim menciona a façanha do pindamonhangabense Manuel Rodrigues do Prado:
“Sobre todos estes merece memória, com especial narração, Manuel Rodrigues do Prado, mulato fusco, natural de Pindamonhangaba, da capitania de São Paulo, a quem chamavam por alcunha ‘mandu-assu’. Vinha este pilotando uma canoa com sua mulher, também mulata, junto a si; cercou-os o gentio, entrou aos tiros com eles, carregando-lhe as armas a mulher e ele a fazer pontarias certas, que não errava uma, com tanto valor, esforço e presteza, sem largar o remo das mãos, dando risadas e acenando aos infiéis que chegasse, que os atemorizou e fez retirar, postos em fuga, ainda mandou remar a canoa sobre eles, matando muitos.
“Era mulato fusco, corpulento, extremado em força e valor; foi nesta comarca capitão do mato muitos anos, e matou um vil soldado que nada valia nem nome tinha.
“Jaz sepultado na Capela de Nossa Senhora do Rosário, a par de sua mulher, que já era falecida, junto à porta principal.
“Talvez Pindamonhangaba não saiba que ali mesmo no centro da cidade, estão os ossos desse pindense heroico que em Mato Grosso, no século XVII, deu provas de valor inexcedível.”
Referindo-se à igreja naqueles anos quarentas que já vão longe, Lellis Vieira acrescenta: “A igreja do Rosário, que conhecemos há quase 50 anos não existe mais, caiu ou a demoliram, mas os restos mortais do pindense valente ao lado da pindense destemida devem estar lá no subsolo”.
E conclui, “Talvez Pindamonhangaba não saiba desse fato, e agora, sabendo, pela narrativa transcrita do saudoso Toledo Piza, ao passar por ali, pelo Rosário, evocará a figura do herói patrício”.
Aqui não faremos questionamentos quanto ao heroísmo do personagem filho de Pindamonhangaba, há de se levar em conta o fato de que naqueles tempos da colonização eram comuns as situações em que não havia outra saída senão… matar ou morrer!

  • Igreja do Rosário, templo católico que existia na praça Dr. Francisco Romeiro, popular Largo do Cruzeiro - Créditos da imagem: Arquivo TN