Proseando : UM NAMORADO PARA A MANICURE

Girar a chave para abrir a porta do estabelecimento produzia um som que a fazia suspirar. Só ela sabia do sacrifício que fizera ao economizar cada centavo para realizar o sonho que a tirou da espremida sala de sua minúscula casa.
O salão, embora modesto, era bem arrumadinho e disputado pela alta sociedade. A frequência era atribuída muito mais aos conselhos que dava do que ao ofício. Ligeiramente estrábica, vez ou outra ultrapassava os limites das cutículas. Ai, seu dedo!
Bastaram cinco meses, após a inauguração, para que não tivesse mais preocupações financeiras. Comprava o que queria. Tornara-se uma mulher próspera, feliz. Feliz? Nem tanto. Faltava-lhe algo. Algo que pudesse chacoalhar aquele corpinho efervescente,carente de amor.
Quando alguém perguntava “Cadê o namorado?”, ela cerrava os dentes e encerrava o assunto com um “Não conto, nem morta”. Sonhava com um companheiro forte, lindo, cheiroso; mas aceitaria qualquer um, gordinho ou magrinho; podia não ser perfumado, mas banho era condição sinequa non. Lindo? Ah, aceitaria um bonitinho. Feinho servia, naquela circunstância. Mas, nem isso.
Com o tempo, passou a demonstrar sinais de enfado até o dia em que o automóvel conversível, importado, parou em frente ao seu estabelecimento. O homem de pouco mais de trinta anos, bem escanhoado, cabelos ondulados, sem descer do carro, retirou os óculos escuros, olhou para ela, sorriu e foi embora. Ela quase morreu.
– Que homem lindo!!!
Nos dias seguintes, o homem fez o mesmo ritual, mas demorando-se cada vez mais e em horários com o salão cheio, despertando a curiosidade do mulherio.
– Alguém conhece o bonitão?
– Que homem! Que pedaço de mau caminho!
Uma das menos eriçadas, desconfiou:
– Não me diga que éo seu namorado? É?
Sem titubear, sem temer arrependimentos, a manicure moveu a cabeça afirmativamente.
– Mulher de sorte! Estou com inveja! Invejinha boa, viu amiga.
Certo dia, após estacionar, pela primeira vez o homem desceu do veículo, tirou os óculos e, enfrentando os olhares libidinosos, atravessou o salão. A manicure estava concentrada na cutícula da mulher do juiz. Quando o viu, errou o corte. Jorrou sangue. A cliente se levantou, tentou resmungar alguma coisa, mas o doce olhar do homem a inibiu.
Sempre sorrindo, o desconhecido sentou-se diante da manicure e segurou-lhe as mãos. Ela não se conteve: imaginou-o colocando-lhe uma aliança em pleno altar. Ainda devaneava quando ele falou:
-Amiga, você é um ar-ra-so. Sua fama se espalhou e chegou até a capital. Estou louquinha para que você faça as minhas unhas e me dê alguns conselhinhos. Pode ser agora?
A manicure, boquiaberta, arregalou os olhos, petrificou-se. Segundos depois, teve um enfarto fulminante.