História : Uma ação abolicionista de Luiz Gama na Pinda antiga

Ainda que tenha concedido liberdade geral e irrestrita aos negros no dia 25 de fevereiro de 1888, quase três meses antes da lei que concedeu liberdade geral e irrestrita aos negros que se encontravam escravizados no Brasil, Pindamonhangaba, a bem da verdade e da história documentada, não é excluída dos acontecimentos relacionados à desonrosa prática da escravidão.
Pesquisando sobre essa mácula do passado, fomos deparar com ação nobre do abolicionista Luiz Gama em favor da libertação de 18 indivíduos da raça negra que – diante da lei – se encontravam injustamente cativos em Pindamonhangaba. Os escravos haviam pertencido a Alexandre Marcondes do Amaral Machado, já falecido na época, e que, por força da disposição testamentária que lhes dava, continuavam cativos.
Um documento, transcrição paleográfica, trabalho paciencioso e talentoso dos profissionais deste mister, Silvia Maria Pereira Novais e Jurandyr Ferraz de Campos, quando atuavam no Arquivo Histórico Dr. Waldomiro Benedito de Abreu (Museu Histórico e Pedagógico Dom Pedro I e DonaLeopoldina), datado de 3 de setembro de 1878, revela que o famoso abolicionista Luiz Gama se dirige ao presidente da Província, ou seja, ao governador do Estado de São Paulo, solicitando providências para que fossem libertos os seguintes africanos: Francisco Simão, Philippe, Anacleto, José, Joam, Miguel, Luiz, Manuel, Marcellina, Joaquina, Rita e Thereza; “bem como os filhos e netos destes”, sendo – Luiz, Antonio e Pedro, filhos de Joaquina; Thereza, filha de Marcellina; Vitória, filha de Thereza e neta de Marcellina.
Luiz Gama ressalta no referido documento que “os treze primeiros indivíduos” haviam sido “importados no Brasil, e criminosamente vendidos e comprados por Alexandre Marcondes do Amaral Machado”. Quanto ao fato do pindamonhangabense haver participado do ato criminoso ao efetuar a compra, o abolicionista esclarecia que o próprio Alexandre Marcondes do Amaral Machado o havia confessado em seu testamento. Testamento este que seguia anexo ao requerimento endereçado ao presidente da Província
As devidas citações referentes aos artigos e parágrafos, datas dos documentos onde se comprovaria tal afirmação, são mencionadas pelo suplicante, no caso, Luiz Gama, ressaltando que os africanos e seus descendentes citados, já deveriam estar reconhecidos livres pelo juiz do inventário. Lastimando que continuassem “em criminosa escravidão, com violação manifesta do direito, à face dos juízes, e com apoio tácito dos mesmos!…”
Afirmando que provava as alegações que fazia com os documentos que exibia, Luiz Gama lembrava em seu requerimento que se tratava um dever constitucional imposto ao poder executivo “a fiel execução das leis”. Com base na lei, ele requeria e aguardava providências com relação “à cessação do indébito cativeiro” em que se encontravam “aqueles 18 infelizes”, que tinham “direito à reparação justíssima do seu usurpado trabalho”.

Alexandre Marcondes
do Amaral Machado
Em Pindamonhangaba Através de Dois e Meio Séculos (1922), de Athayde Marcondes, vamos encontrar que Alexandre Marcondes do Amaral Machado nasceu em Pindamonhangaba em 1784, nos tempos em que era vila real, filho do capitão-mor José Machado da Silva e de dona Clara Francisca do Amaral. Foi casado duas vezes. A primeira em 1837, com Maria Delphina Marcondes de Andrade, com quem teve cinco filhos; a segunda, com Maria Galvão de França, com quem teve mais 10 filhos. Não cita o ano de sua morte, mas conta que foi “em avançada idade”, deixando 15 filhos.
Athayde elogia Alexandre Marcondes do Amaral Machado como “o herdeiro das virtudes cívicas de seu pai, que foi exemplo da probidade e um dos mais ilustres membros da família Machado em Pindamonhangaba”. E acrescenta que o mesmo tivera “um passado cheio de ensinamentos belos, cujos sentimentos de bondade, virtude e honradez legou aos seus filhos; ocupou muitos cargos públicos de nomeação e os desempenhou com o critério e serenidade, não abusando jamais das posições oficiais para perseguir adversários e inimigos; foi nomeado capitão-mor da milícias e serviu com patriotismo neste posto”.
(Pela curiosidade do fato, destacamos que o mencionado fazendeiro era avô de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, o engenheiro que se tornou o famoso literato Juó Bananére.)

Luiz Gama
Em síntese, Luiz Gonzaga Pinto da Gama, o Luiz Gama, foi um dos mais combativos abolicionistas do Brasil. Filho de uma africana livre com um fidalgo de origem portuguesa, tinha apenas 10 anos quando foi vendido como escravo pelo próprio pai. Contam que a venda teria sido para saldar uma dívida de jogo.
Levado para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo, acabou sendo comprado pelo alferes Antônio Pereira Cardoso, proprietário de uma fazenda no Vale do Paraíba, na cidade de Lorena. Ali, graças a um estudante, aprendeu a ler e a escrever.
Aos 18 anos, fugiu do cativeiro para sentar praça na Marinha de Guerra; expulso por insubordinação (que teria sido motivada pela insolência de um oficial), retornou a São Paulo, indo trabalhar no escritório de um escrivão e, em seguida, na Secretaria de Governo da Província.
Em discurso homenageando Luiz Gama, realizado pelo Plenário do Conselho Federal da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil no dia 7 de maio de 2007, o jurista Fábio Konder Comparato citou que “nessa ocasião (quando trabalhava na Secretaria do Governo), veio-lhe a inspiração de estudar Direito para defender em juízo a vida e a liberdade da imensa população de negros escravos”. Entretanto, “repelido pelos estudantes em sua tentativa de matricular-se na histórica Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em razão da sua condição étnica, assumiu a opção definitiva de atuar como rábula até o fim da vida”
Fábio Konder ressaltou ainda que “a ironia da história é que Luiz Gama acabou por partilhar seu escritório de advocacia com dois ilustres catedráticos da Faculdade onde fora repelido: os doutores Januário Pinto Ferraz e Dino Bueno”.
(Este último, outro ilustre pindamonhangabense. Antônio Dino da Costa Bueno matriculou-se aos 15 anos na Faculdade de Direito de São Paulo; aos 19 anos, recebeu o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais; aos 23 anos, ocupou o cargo de juiz, juiz substituto da 1ª Vara. Foi também promotor público e, na carreira política, membro do parlamento paulista, secretário e presidente de Estado, denominação esta que antecedeu a de governador.)
De ex-escravo, Luiz Gama se transformou em líder do movimento antiescravagista, chegando a libertar mais de 500 escravos nos tribunais.
Além de advogado, foi poeta, jornalista e escritor. É patrono da cadeira número 15 da APL – Academia Paulista de Letras. Nascido a 21/6/1830, morreu em 24/8/1882, sem ver a libertação dos escravos nem a proclamação da República, os ideais de sua vida.

  • Luiz Gama, que solicitou libertação dos negros que viviam ilegalmente em cativeiro nas terras deixadas pelo avô de Juó Bananére, partilhou seu escritório de advocacia em São Paulo com o pindamonhangabense Dr. Dino Bueno
  • “Da Pátria então curvada e dolorida sob o peso cruel da escravidão uma voz que clamava liberdade de um milhão de míseros cativos...” Athayde Marcondes
  • Cenas de cativos trabalhando em uma fazenda de café em uma cidade vale-paraibana em 1882 (Acervo Instituto Moreira Salles - Colección Gilberto Ferrez; autor das históricas fotos, Marc Ferrez, o principal fotógrafo brasileiro do século XIX)