Proseando : VALSA DA DESPEDIDA

Ao assumir modesto cargo na agência bancária da cidadezinha que não aparecia em mapa algum, prometeu a sique gerenciaria uma das filiais na capital paulista. Desde então,executava as atividades com dedicação, rapidez e eficiência. Entretanto,somente isso não o habilitava a qualquer promoção. Era preciso fazer algo que estampasse o seu nome na diretoria. Após avaliar estratégias, decidiupor abordarempresários das cidades vizinhas com capacidade de “engordar” a minguada carteira de investimentos.A decisão fê-losubstituir o desregramento dos finais de semana pela peregrinação.
Era um homem que conversava fácil sobre qualquer tema. Se o assunto era futebol,“enchia a bola” do clube do futuro cliente. Depois, com a “goleada” consolidada a seu favor, apresentava linhas de crédito e os melhores investimentos.
Em poucos meses conseguiu elevar a pequena agência ao status de “a mais promissora da região”. Com isso, fez carreira meteórica, até ser promovido para gerenciar a tão sonhada filial paulista.
Em seu primeiro dia na metrópole, solicitou a relação dos maiores clientes da agência.
– Irei visitá-los. A tecnologia é um facilitador; entretanto, nada substitui o calor humano.
Naquela tarde, inaugurou as visitas de cortesia. O primeiro destino era o bairro Alphaville, onde estacionou diante da mansão hollywoodiana.
O mordomo o introduziu na sala de estar, dizendo que a condessa não demoraria. Enquanto esperava, examinava minúcias das obras de arte do ambiente. Apaixonou-se peloBösendorfer compartituras de Beethoven, Tchaikovsky, Chopin e João Gomes de Araújo.
Imaginava-se tocando quando o menino negro, descalço e descamisado, adentrou como corisco ao ambiente e se aproximou do piano. Arreganhou os dentes de marfim na oferenda de sorrisos e sentou-se no banquinho. Ao fazer menção de pousar os dedos nas teclas, levou puxão de orelha.
– Sai pra lá, moleque. Isso não é pro seu bico. Cadê a sua mãe? Tá na cozinha ou lavando os sanitários?
O menino engoliu o choro e saiu correndo. O gerente meneou a cabeça e sussurrou: “Essas crianças não têm desconfiômetro”.
Ainda resmungava quando a senhora de olhos azuis apareceu.
– O senhor aceita um cafezinho, suco ou licor?
Antes de qualquer palavra, caminhou até ela e beijou-lhe as mãos.
– Condessa, não há expressão exata para definir a honra que sinto em conhecê-la. Se não for incômodo, aceito um cafezinho. Obrigado.
A mulher ensaiava palavra quando o menino reapareceu.
– Condessa, esse moleque não tem modos. Imagine que estava querendo pôr as mãos imundas no piano. Pretensioso, não acha? A senhora deveria punira ele e à mãe.
Tagarelava sugestões quando a senhora negra apareceu. Ele a olhou com desdém e a advertiu:
– Vai acabar perdendo o emprego por causa desse moleque.
Inabalada,fez gesto e o menino se posicionou ao piano. O gerente cochichou ao ouvido da mulher de olhos azuis: “Vai permitir o atrevimento? Quem esse moleque pensa que é?”
– Esse “moleque” é o filho da condessa.
O gerente, percebendo a estupidez, não sabia onde e enfiar a cara.
– Mãe, o que me sugere tocar?
– A Valsa Op. 69 nº 1, de Chopin. A Valsa da Despedida,que ofereceremos ao gerente.