História : A escola de corneteiros do 2º Corpo de Trem

Dos arquivos da secular Tribuna do Norte, a Página de História traz um acontecimento pitoresco que foi notícia na cidade nas primeiras décadas do início do século XX.

No início do ano de 1920 aconteceu um fato curioso envolvendo duas respeitáveis entidades, instaladas na região central de Pindamonhangaba (uma estadual e outra federal): a Estrada de Ferro Campos do Jordão e o 2º Corpo de Trem.

O ocorrido foi comentado na edição de 14/3/1920 da Tribuna. O jornal, por intermédio de seu diretor, era o Athayde Marcondes, comentou uma troca de ofícios realizada entre o diretor da EFCJ e o comandante do 2º Corpo de Trem. O motivo: a escola de corneteiros daquele efetivo militar sediado em Pindamonhangaba. Tal aprendizagem estaria incomodando o bom andamento dos serviços no escritório da ferrovia, que se encontrava instalado próximo ao Largo do Quartel.

Em ofício enviado pelo engenheiro chefe da estrada de ferro que serpenteava a Mantiqueira rumo a Campos do Jordão, senhor J.M. Neves, ao comandante da primeira unidade militar do Exército Brasileiro aqui aquartelada, tenente-coronel Valério Barbosa Falcão, este tornava claro seu descontentamento com a atividade do batalhão:

“Excelentíssimo senhor tenente-coronel Valério Barbosa Falcão.

Digníssimo comandante do 2º Corpo de Trem – confiado no espírito de ordem e clarividência que presidem de atos de Vossa Excelência. E obrigado pelas circunstâncias de precisar zelar pelo bom andamento dos serviços de uma repartição do Estado, venho respeitosamente a vossa presença solicitar uma providência no sentido de ser evitado que a aprendizagem de toques de corneta, seja feita defronte ao escritório desta estrada, no largo onde o mesmo está situado, como acontece atualmente.

Não me animaria a fazer semelhante pedido, se não a grande perturbação que este fato causa aos trabalhos desta administração, obrigada por exigência de serviço a aproveitar as horas da manhã e da tarde para trabalhar nesse escritório, e a facilidade que, penso existir, na transferência para outro local, daqueles exercícios de corneta.

Sobrecarregada como se acha, esta administração, de serviços urgentes e inadiáveis, espero que o pedido acima mereça da parte de V. Excia. a devida consideração e oriente V. Excia. as providências que o caso requer. – Saúde e Fraternidade – J.M. Neves, Engenheiro Chefe.”

Assim como o ofício queixoso, a Tribuna (em poder dos ofícios) também divulgou o de resposta, o do comandante do Corpo de Trem:

“Em resposta ao vosso atencioso ofício nº…, D, de ontem datado, este comando toma a liberdade de recordar a Vossa Excelência que o 2º Corpo de Trem, com toda sua engrenagem administrativa, funciona na praça da República desta cidade, com ordem do Governo Federal, por lhe haver o governo deste município feito cessão do edifício, e terrenos adjacentes para esse fim, exigindo como deveis saber uma retribuição de 60:000$000.

Em tais condições, é lícito supor que o 2º CT esteja residindo em sua legítima propriedade.

Além disso, sendo regulamentar o exercício de corneteiros, e, tão tolerado como soem ser o de piano, violino ou flauta, etc… o direito que vos assiste em pedir, ainda que delicadamente, a remoção do ensaio daquele instrumento, da frente do quartel, onde ele deve ser executado, para um outro local que vos não incomode assiste logicamente, também, aos vossos vizinhos que não amem melodias de piano, pedirem a remoção desse instrumento delicioso, da vossa sala de visitas, para a margem do Paraíba ou outro qualquer lugar, onde não perturbe os afazeres e estudos matinais dos que precisam de muito silêncio para as suas reflexões.

Assim, pois, tendo em consideração a infantilidade da vossa solicitação, deixo de atendê-la, muito a contragosto, porém levado pelo espírito da coerência que sempre presidem os atos deste comando – Saúde e Fraternidade – Comandante do 2º Corpo de Trem – Tenente-coronel Valério Barbosa Falcão.”

Nas edições posteriores do jornal Tribuna do Norte não logramos encontrar qualquer nota referente ao fato. Entretanto, acreditamos interessante o comentário do diretor da Tribuna na época, Athayde Marcondes, sobre o impasse.

“Seria mesmo engraçado, irrisório até, que o comandante daquela unidade do Exército atendesse àquele pedido! Ver-se-ia na contingência de remover cotidianamente tal escola porque, onde quer que ele fosse, apareceria um ou surgiriam muitos de audição suscetível de ofensa a reclamarem e diriam logo: – lugar de tocar corneta é no quartel e suas imediações; se os circunstantes daquelas paragens não aguentam também não aguentamos nós e a aguentar alguém, que aguentem eles.

E com razão! Não se precisa ser muito arguto para se compreender que o exercício precisa ser feito e o local mais apropriado é perto do quartel.”

E lembrando dos escritórios da Estrada de Ferro Central do Brasil, fez a comparação: “Como se arranjarão os funcionários do escritório da Central do Brasil que funciona em cima, calculando fabulosas quantias, quando embaixo circulam par mais de 300 trens, inúmeros bondes, automóveis, carroças, carros, vendedores ambulantes com gritos estridentes, além de dezenas de cornetas (do mesmo gênero destas) sopradas regularmente e em aprendizagem?

Será possível que o escritório da Campos do Jordão tenha mais cálculos, serviços de contabilidade que o da Central do Brasil!

A ser que sim, é admirável e somos levados a crer que naquela mais se calcula do que se trafega porquanto não vemos movimento para tanto cálculo e ficamos crendo que o que há é muito cálculo para pouco movimento e ninguém nos tirará desta verdade.”

Acrescentando ainda, “demais, o expediente da Campos do Jordão é das 11 às 17 horas e as cornetas funcionam só de manhã, ou seja, em horas fora do expediente”, concluiu elogiando a resposta do comandante do Corpo de Trem: “É digno, portanto, de louvores o texto do ofício do tenente-coronel Valério Falcão, servindo também de satisfação a um abaixo assinado de alguns negociantes das imediações do quartel…”

Ressaltamos que o assunto de nossa página desta edição não passa de uma relembrança. Uma recordação de um fato pitoresco ocorrido em nosso município há 100 anos, não devendo, portanto, ser visto ou apreciado como motivo para desmerecimento desta ou daquela entidade.

A Estrada de Ferro Campos do Jordão segue viva. Em 14 de novembro próximo completa 108 anos de existência. O 2º Corpo de Trem, de tantos e bons serviços prestados a Pindamonhangaba, foi extinto ainda na década de 20 do século passado.

  • Arquivo TN Em 1920, os soldados corneteiros do 2º Corpo de Trem mantinham aulas de aprendizado em toques militares na antiga Praça da República, em frente ao seu quartel. A atividade incomodava funcionários do escritório da EFCJ, instalada nas proximidades