História : Causos e fatos da Pinda de antigamente

(As ilustrações da página de história de hoje são realmente meras ilustrações)

O Faraó de Pinda

Contava o inesquecível cronista colaborador do jornal Tribuna do Norte, Francisco de Palma Neto, o Quito, que nos tempos em que Pindamonhangaba ainda era Vila Real, na época dos barões do café e de seus palacetes assobradados, havia no município um abastado senhor de escravos que residia num verdadeiro palácio lá nas encostas da Mantiqueira.
A residência desse senhor, edificada em 1850, possuía nada menos que 30 imensos cômodos, 60 portas-janelas, três pavimentos e mais o sub-solo. Nessa obra babilônica ele vivia servido pela sua escravaria, oriunda de todas as regiões da África. Eram cativos de línguas costumes e crenças diferentes, até muçulmanos havia entre eles.
Contam que esse rico proprietário de terras e gente morreu em 1888, talvez inconformado com a proibição do escravagismo no Brasil. E que 42 anos depois de sua morte, ao ser aprofundado o chão onde fora a senzala de sua fazenda deram com ossadas de crianças. Os ossos, conforme foi comprovado na ocasião, eram mesmo de crianças e não de recém-nascidos, pois ossos de bebês, sendo tenros, flexíveis e cartilaginosos, teriam se transformado em pó, não teriam resistido tanto tempo.
Mistério ainda maior, no entanto, envolveu sua morte. Dizem que fora “emparedado” na parte média do casarão, cujas paredes, feitas de taipas de pilão, possuíam dois metros de espessura. Dizem também que no dia do sepultamento desapareceram quatro de seus escravos árabes. Coincidentemente, os mais fiéis, aqueles que o serviam e o acompanhavam por toda parte. Ficou a suspeita que esses cativos o teriam acompanhado até na sua morte, conforme era costume no velho Egito, onde os servos acompanhavam seus faraós, sendo enclausurados do lado dos corpos destes para servi-los… no além.

O Barqueiro do rio Paraiba

Esta quem contava era o saudoso Newton Lacerda (1912/1992), pesquisador da história e também de lendas e causos de Pindamonhangaba. Segundo Lacerda, a Lenda do Barqueiro era de conhecimento dos pescadores profissionais de Pinda e foi um deles, chamado Amaro Izidoro da Silva (também há muito falecido), quem tinha lhe contado.
Há muito tempo, era ainda a segunda metade do século XIX, não havia nenhuma ponte sobre o rio Paraíba e a travessia era feita por um batelão num local onde o rio se estreitava, conhecido por Tetequera. O batelão era muito utilizado, principalmente por aqueles que vinham à cidade para fazer compras e comercializar aquilo que cultivavam e criavam em suas roças.
O responsável pelo serviço de travessia era o barqueiro Nhô Zé, um caboclo mestiço, mistura de índio com negro, morador num casebre à margem esquerda do Paraíba. Nhô Zé era um apaixonado por seu ofício. Sentia-se muito bem em proporcionar o ir e vir daqueles que vinham do sertão ou partiam da cidade. Vivia o pobre orgulhoso de seu trabalho até que um dia surgiu uma ponte. Construiram-na em frente ao Bosque da Princesa. Embora estivesse algo distante do batelão, a tal ponte foi culpada pela diminuição na procuras pelos serviços do barqueiro.
Nhô Zé, coitado, sentiu-se desprezado e também começou a se diminuir até se acabar de vez, tal e qual o serviço da travessia. Um dia, olhando o batelão, as canoas, os remos, os varejões, a corda e a carretilha tudo quieto, parado… abandonado, a tristeza foi tão grande que ele acabou fazendo a travessia, a inevitável travessia no barco da morte…
Algum tempo depois da morte do barqueiro começou a correr a notícia que o lugar onde antes ficava o batelão era mal assombrado. Canoeiros e pescadores que se aventuravam em passar pelo local à noite ouviam vozes, risadas, assobios, batidas de remos na água, resfolegar de montarias, cães latindo e som de carretilha correr pela corda de uma margem à outra… Era como se ouvissem o batelão fazendo a travessia. Só ouviam, porque ver, não viam nada… De repente toda a agitação desaparecia. Tudo retornava ao normal. Menos para quem tinha presenciado o fenômeno, esses ainda permaneceriam assustados… o batelão de Nhô Zé havia passado por eles.

A mãe do soldado Fernandes

Túlio Carvalho Campello de Souza (1920 – 2008), tenente-coronel reformado do Exército, foi um dos herois da Força Expedicionária Brasileira. Ferido em combate na Itália durante a 2ª Guerra Mundial, sobreviveu apesar de ter perdido uma das pernas. Retornando a Pindamonhangaba, se empenhou no exercício da advocacia.
Referindo-se à humildade e pobreza da maioria dos seus colegas expedicionários, Túlio citava entre outros exemplos o da mãe do soldado José Fernandes, o pracinha da FEB morto em combate na Itália. Chamava-se Percília, era uma preta alta e magra que morava no bairro do Bonsucesso.
Alguns anos após o final da guerra, relembrava Túlio, o 2º Batalhão de Engenharia de Combate recebeu duas medalhas “Sangue do Brasil”, que eram outorgadas àqueles que haviam sido feridos em campanha ou aos familiares daqueles que tinham morrido lá.
Uma das medalhas era para ser entregue ao senhor José Pires Barbosa, pai do soldado José Pires Barbosa Filho (denomina uma rua no Jardim Rosely – Campo Alegre); a outra era para dona Percília, mãe do soldado José Fernandes (denomina uma rua no bairro do Crispim). Coube ao dr. Túlio entrar em contato com os pais dos pindamonhangabenses mortos em combate na Itália, para informar sobre o dia, horário e local do evento. Com a intenção de facilitar para dona Percília, Túlio se ofereceu para ir buscá-la em seu automóvel no dia da solenidade, mas ela agradeceu e disse que não precisava.
Chegada a data da entrega das medalhas, foi num dia 7 de setembro, dona Percília, que havia recusado o convite do dr. Túlio para ir buscá-la de automóvel, caminhou descalça de sua casa até a estação de Bonsucesso (Estrada de Ferro Campos do Jordão). Só ali é que calçou os sapatos e tomou o bonde para a cidade.
O Batalhão estava formado na avenida Jorge Tibiriçá, segundo Túlio, aqueles que seriam agraciados estavam postados no trecho onde atualmente se encontra o prédio da Caixa Econômica Federal.
Feita a leitura do boletim alusivo à condecoração, o comandante do 2º BE, era o coronel Oyama Clark Leite, pregou a medalha “Sangue do Brasil” no peito de José Pires Barbosa, recuou um passo e fez continência. Com a medalha no peito, o pai lembrava-se do filho e chorava.
Prosseguindo a solenidade, o comandante condecorou dona Percília, em cujos trajes modestos destacava-se um pano que trazia cobrindo-lhe a cabeça. Com o mesmo ritual, o militar, ao condecorá-la recuou um passo e fez continência… e a mãe do soldado José Fernandes, morto em combate, “espontaneamente, singelamente, respondeu à continência”.
O dr. Túlio lembrava que aquilo poderia parecer engraçado, mas destacou “a simplicidade daquela mulher”.