História : O saneamento na Pindamonhangaba de antigamente

O fato que vamos abordar nesta edição refere-se à saúde pública e ocorreu no início do século XX, no tempo que em Pindamonhangaba, assim como nos demais municípios brasileiros, o poder municipal era exercido por duas instâncias distintas: a Câmara e a * Intendência, sendo o intendente eleito pelos vereadores de cuja Câmara também fazia parte.
Serviu-nos de fonte de pesquisa para esta matéria um exemplar avulso (edição de 5/2/1905) de um antigo jornal que se publicou em Pindamonhangaba, denominado Folha do Norte. Esse informativo, manifestando-se favorável à administração municipal que assumia o governo da cidade e contrário à anterior, publicava na mencionada edição um ofício do representante do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, dr. Saturnino da Veiga (chefe da Comissão Sanitária que trabalhava em Pinda), ao intendente que assumia, Elias Homem de Mello. No mesmo número, a FN trazia a reposta do intendente. Solicitava o dr. Sa-turnino a ação da “corporação municipal” para que fossem extintos os males que prejudicavam o desejado saneamento da cidade, visto que tal não era possível somente, “pelos esforços dos médicos da higiene” da comissão sanitária por ele chefiada.
No ofício, dr. Saturnino denunciava irregularidades ocorridas no município como “prática condenável” adotada por alguns moradores, que removiam o lixo de seus quintais para a via pública, quando seria, segundo o médico, “necessário que ele fosse transportado para fora do perímetro urbano, sendo depositado em local onde, oportunamente, se cuidasse de incinerá-lo de modo completo.”
Falava também que, além do triste aspecto que as ruas e praças ofereciam em alguns pontos, devido ao mau hábito de jogar lixo em locais públicos, em muitos lugares havia “o mato crescido afeando até os pontos destinados ao recreio da população, como os jardins e praças, lamentavelmente descuradas e como que esquecidas dos que têm o dever de zelar desses centros de reunião e divertimento para a população da cidade.”
Alertava que o lixo abandonado e o mato crescido contribuíam para o aumento no número de ratos, considerados o maior perigo para a saúde pública naquele momento em que se verificava a luta contra a peste (referia-se à peste bubônica, uma das epidemias combatidas por Oswaldo Cruz no início do século XX). “Encontrando farto alimento no lixo acumulado nas ruas e seguro esconderijo na sombra densa do mato que cresce desassombradamente, os ratos tornarão improfícuos todos os nossos esforços e manterão indefinidamente as más condições sanitárias desta cidade, nulificando todo o nosso trabalho, esterilizando toda a nossa boa vontade”, explicava o chefe da Comissão Sanitária.

Ressaltando a crítica situação de Pindamonhangaba quanto às condições de salubridade, lembrou que ao poder municipal caberia grande responsabilidade se a situação se agravasse.

Águas paradas
O médico continua seu extenso ofício falando sobre a visita que fizera ao hospital de isolamento de Pindamonhangaba. Revela que o local lhe causara “desagradabilíssima impressão” devido à existência de duas lagoas nas proximidades do cemitério e à pequena distância daquele hospital. “Tais e tantas são as razões que condeno em absoluto a conservação das lagoas, nas proximidades de povoações, que me julgo dispensado de articular uma só para justificar a tentativa que faço por este meio para conseguir a extinção dessas coleções líquidas”, explicava, referindo-se ao pedido para que a intendência providenciasse o aterro das lagoas.
Sobre as águas paradas ele cita outros locais em que a chuva causava problemas: nas proximidades da estrada de ferro (estação da Estrada de Ferro Central do Brasil) e do grupo escolar (referia-se à escola Dr. Alfredo Pujol). Dizia que tais locais eram favoráveis a fermentações perigosas, “uma das causa mais poderosas do aparecimento do grande número de moléstias, que epidemicamente dizimavam o povo”, afirmava.
As inundações do rio Paraíba também não foram esquecidas pelo doutor: “Por ocasião das grandes chuvas são de constante observação nesta cidade as cheias do Paraíba, ficando em grande extensão inundadas as suas margens e, quando baixam as águas, fenômeno que se realiza sempre irregularmente, visto que não desaparecem de todo as águas extravasadas, formam-se numerosas poças, que a custo e demoradamente desaparecem. Quando isso sucede, segundo informações de pessoas inteligentes e fidedignas, aparecem também muitos casos de febres típicas, que não raro têm sacrificado vidas preciosas, espalhando o luto e as lágrimas no seio de distintas famílias desta cidade”, acrescentava.
Dizendo ser sabedor de que o município teria em vista a realização de outros melhoramentos, atentava para a importância do beneficiamento da salubridade pública, que se encontrava ameaçada naqueles dias, e encerrava desculpando-se pela extensão e desalinho do ofício.

A resposta do Intendente
Na mesma edição, a Folha do Norte publicou a resposta do intendente municipal, dr. Elias Marcondes Homem de Mello. Reconhecia o intendente, “a desoladora descrição” que fazia o dr. Saturnino referente ao abandono em que se encontravam os serviços públicos dos quais “dependiam o asseio e a salubridade da população”. Citava o estado de abandono e ruínas que havia encontrado o cemitério, “com cerca de 50 metros de muro abaixo e mato maior do que o das praças e ruas da cidade”. Comentava a falta de iluminação, “que estava reduzida a 7 combustores (postes de iluminação pública) de 120 que existiam.
Segundo o intendente, em sua resposta, era em total estado de abandono que a Câmara, em sua nova formação, havia encontrado a cidade. Os cofres municipais completamente vazios e uma conta de aproximadamente 80 contos de réis para ser paga, cuja legalidade aquela administração municipal haveria de averiguar.

Rede de Esgotos
Prosseguindo no relatório das condições que haviam assumido o governo, o intendente esperava que o chefe da Comissão Sanitária compreendesse a difícil situação em que se encontrava a administração municipal, por melhor disposição que tivesse para atender de pronto aos diferentes serviços inumerados pelo médico.
Deixava claro que entre a natureza de tais irregularidades havia especial interesse pelo saneamento da cidade e que providência nesse sentido seria “levar avante o serviço da rede mista de esgotos por toda a cidade, com o imprescindível e eficaz auxílio do governo do estado”. Com isso, conseguiriam “fazer desaparecer os sumidouros ou fossos (fossas)” que tinham sido construídos nos quintais das casas particulares, abertos com autorização especial constante de uma lei municipal de 1900. Para o intendente as tais fossas era “notoriamentente prejudiciais à saúde pública”.
Prosseguindo na resposta ao ofício da Comissão Sanitária, o intendente Elias Marcondes Homem de Mello lembra que havia assumido o governo daquela administração (Câmara Municipal) há apenas um mês, no entanto, estava fazendo de tudo para melhorar a situação local. Já havia restabelecido a iluminação pública, o abastecimento de água e naquele momento se ocupava em obras de reparo em edifícios municipais que reclamavam limpeza e consertos. Concluindo, dizia que o dr. Saturnino encontraria, por parte da Câmara, “os melhores desejos de cooperar a bem da salubridade pública em tudo.

*Intendência Municipal Tal sistema permaneceu até 1930, quando, com a Revolução de 1930 e o início da Era Vargas, cria-se a a figura do prefeito e institui-se a “prefeitura”, à qual, como acontecia anteriormente com a intendência municipal, continuam a ser atribuídas as funções executivas do município. O prefeito, a partir da Constituição de 1934, passa a ser escolhido pelo povo, mas, durante os vários períodos ditatoriais da história do Brasil, por vezes o cargo voltou a ser preenchido por apontamento dos governos federal ou estadual. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Prefeitura_(Brasil)

Imagens: Arquivo TN
  • Na época o pindamonhangabense Dr. Emílio Ribas era diretor geral do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo
  • “...O mato crescido afeando até os pontos destinados a recreio da população, como os jardins e praças públicas...”