Proseando : ONDE ESTÃO AS JOIAS?

Debaixo de chuva ou sol, em dias de frio ou calor, ventos e tempestades, ela entrava no cemitério
equilibrando-se no salto agulha. Caminhava pelas vielas arborizadas e, vez ou outra, parava
diante de túmulos de pessoas conhecidas. E não se continha: “Bruaca! Fofoqueira!”. “Fedorento!
Caloteiro!”. “Galinha! Ciscadeira de lar alheio!”. “Pinguço!”. Prosseguia nas vituperações até
se aproximar do pequeno resedá. Logo depois da arvoreta estava o mausoléu do marido. Havia meses que o coveiro a observava de longe. No início, ela se ajoelhava diante do túmulo, empinava as mãos ao céu e sussurrava preces. De uns dias pra cá, parecia louca. Esmurrava o túmulo, gritava, esperneava. Certo dia, o profissional das covas se aproximou sorrateiro, fingindo inspecionar o túmulo vizinho. Ela o olhou com cara de poucos amigos, sem suspender o desvario.
– Canalha! Como pode fazer isso comigo? Desgraçado! Se você estivesse vivo eu matava você.
– Dona, me desculpe. Tá per dendo seu tempo. O morto não pode ouvir.
Olhando-o de soslaio, arreganhou os dentes e organizou as unhas como se desejasse cravá
-las no pescoço de alguém. “Isso não vai prestar” – pensou ele. Caminhou na direção dele e, ao se
aproximar, pendurou-se no pescoço dele, aos prantos.
– Não chore, por favor. As lágrimas vão maltratar a sua beleza. As palavras do coveiro – o homem jovem de olhos azuis e pele bronzeada – causaram-lhe arrepios.
Ela estendeu a folha de caderno amassada ao coveiro.
– Antes de morrer o canalha deixou esse bilhete dizendo conter o local onde escondeu as joias
da família. Não consigo decifrar esse enigma.
“Pedras preciosas serão suas. Insista no avesso da madeira. Ao encontrá-las, não alardeie. Não há maior riqueza do que o {amor. Outros virão depois de mim, {por interesse.”
O coveiro leu, releu, pensou. Leu e releu outra vez.
– Eu sei onde estão as joias.
– Decifrou o bilhete?
– Sim.
Com a promessa de dar 20% ao mestre das pás, saíram do cemitério. O coveiro realmente havia decifrado o enigma. Entretanto, a viúva havia vendido o objeto onde as joias estavam escondidas, para
manter o alto padrão de vida.