Proseando : PASTEL DE CARNE

Ele era um vigilante sanitário incorruptível, temido por aqueles que tentavam burlar a lei. Por isso, colecionava ameaças, mas em momento algum amansava a caneta. Seus dias eram compridos, penosos, estafantes. Somente removia o estresse quando chegava em casa e pegava Bichano no colo. O angorá ronronava cheio de dengo.
Outro dia, chegou mais cedo, assim que soube do resultado da operação “Carne Fraca”. Convocou a família e proibiu o consumo de qualquer tipo daquele alimento naquela casa. A esposa e os filhos não contestaram. A empregada palpiteira, achou exagero. Disse que aquilo não era novidade para ela; pois no tempo de miséria extrema, quando achava algum pedacinho de carne no lixão, colocava na panela com água e papelão.
− Era só ferver, patrão. O papelão desmanchava e se misturava com o pedacinho de carne.Rendia, viu. Dava pra encher o bucho dos meus filhos e o meu.
− Vocês podiam ter morrido intoxicados.
− Poder, podia. Mas não morremos, né? Qualquer dia faço pro senhor experimentar. Fica uma “dilícia”.
− Não se atreva. Carne está proibida nesta casa.
Mal concluiu a frase, sentiu tontura. Eram os nervos. A pressão alta. Procurou pelo melhor remédio: o gato.
− Pchiuiuiui! Pchiuiuiui!
O gato não apareceu. Ele insistiu:
− Bichano! Ô, Bichano. Cadê você? Alguém viu o Bichano? Você o viu, querida?
A esposa morria de ciúmes do gato.
− Com tanta coisa pra fazer em casa, eu lá tenho tempo pra ficar vigiando bicho? Faça−me o favor!
Aos olhos interrogativos do pai, os filhos foram uníssonos:
− Não o vimos.
− Eu vi ele! – gritou a empregada.
O vigilante sanitário entrou na cozinha e a encontrou comendo pastel. Pastel de carne.
− Eu vi ele no colo do dono da pastelaria hoje de manhãzinha. Por falar no dono da pastelaria, foi ele quem trouxe esses pastéis um pouco antes do senhor chegar. Disse que era pro senhor. Como o senhor proibiu carne aqui dentro, acho que não tem nenhum problema se eu comer eles.
O vigilante sanitário passou mal. Tiveram que chamar a ambulância. Ele lembrou das ameaças do comerciante, campeão de autuações. “Um dia o bicho vai pegar!” E pegou. O dono da pastelaria pegou o pobre Bichano e o transformou em pastéis.

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