Proseando : PERGUNTE AO EDMUNDO

Foi Deus quem desenhou aos pés da Mantiqueira os contornos caprichosos do Ribeirão Grande, em Pindamonhangaba. Em um dos trechos do afluente, em 1975, o senhor Edmundo edificou o restaurante batizado com o próprio nome, oferecendo ambiente aconchegante com gastronomia diversificada preparada no fogão de lenha, música ao vivo e atendimento insuperável.

Estive lá, há algum tempo. Na oportunidade, depois de saborear a culinária e ter dois dedos de prosa com o amigo Edmundo, caminhei até o riozinho cristalino que pule as pedras do leito. Perto da margem, vi uma mulher se aconselhando com outra: uma índia de metro e meio, de pele habitada por incontáveis rugas.
— Ele disse que não me ama mais.
— Se não ama, é porque nunca amou. A maioria das pessoas não sabe o que é amor.
— Eu sei.
— Não sabe. Se soubesse seria protagonista de sua vida.

A consulente amuou. A índia prosseguiu:
— As pessoas juram amor em troca de compensações financeiras. Confundem amor com o desejo carnal. Prometem…
— Ele disse que estou velha.
— Tolice. O amor não envelhece.
— O que devo fazer? Estou desesperada. Eu o amo muito.
— Você o ama muito? E quanto você se ama?
A mulher não conseguiu conter o choro, talvez por começar a compreender que se abandonara para se dedicar integralmente a quem não merecia.
— Ame-se. Cuide-se. Faça-se feliz. Desabite-o de seu peito. Redecore-se. Em casa desmoronada ninguém entra.
Aquelas palavras me sacudiram. Minha vida não estava muito diferente da vida daquela mulher.
— Feche os olhos e coloque os pés dentro do rio. Ele é nosso irmão. Deixe-o carregar as raízes apodrecidas para que outras brotem saudáveis. Ouça os gorjeios da brisa. Sinta o perfume da vida. Refloresça.

A mulher descalçou-se, sentou-se à margem, fechou os olhos e deixou o rio lamber seus pés. A índia atravessou o rio raso e desapareceu na Serra da Mantiqueira. Eu, que também desejava me desfazer das raízes apodrecidas, sentei-me próximo à mulher, e mergulhei meus pés nas águas geladas. Somente abri meus olhos ao ouvir meu nome; e a vi olhando para mim.
— Você me chamou? — indagou-me ela.
— Eu? Acho que foi você quem disse o meu nome.

Sorrimos. Nem fora ela, nem eu. Quem, então? Até hoje não sei, mas desconfio que tenha sido a índia. O que importa é que estamos felizes.
Ah, se você duvida da existência da índia, pergunte ao Edmundo.

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