Pindamonhangaba e o Mobral

Um ano após a primeira formatura do Mobral em Pindamonhangaba, ocorrida em março de 1971, o diretor do jornal Tribuna do Norte, poeta trovador Orlando Brito, (diretor de 26/3/1972 a 28/6/1975), publicava uma comovente matéria na edição de 5/8/1972, contando as dificuldades enfrentadas por alguns dos alunos mobralinos para frequentar as aulas do curso de alfabetização.
Acompanhado de um fotógrafo, Orlando Brito foi até as margens do rio Paraíba, “num fundão da várzea do bairro Coruputuba” esperar um dos alunos. Eram pouco mais de oito horas da noite quando o pescador João Frederico, de aproximadamente 50 anos de idade chegou. Segundo Brito, “Pescador de longa data e muitas façanhas, acostumado a singrar em silêncio as águas do Paraíba, à cata de lambaris ariscos, mal percebemos quando seu barco embicou no barro. Exemplo admirável de força de vontade, João Frederico percorria cinco quilômetros de água para chegar até aquelas margens, onde amarrava o barco e percorria mais três mil metros de várzea, furando o capinzal alto, por um caminho que só ele enxergava”, admirava-se Brito.
Naquela noite o pescador teve companhia, atrás dele seguia o poeta jornalista e um fotógrafo. “Batemos atrás, mal distinguindo o vulto do homem em seu ziguezaguear contínuo, evitando brejos, contornando pedras e tocos, atravessando cercas, em três quilômetros de trevas até o asfalto e a escola… o homem parecia apalpar o escuro da noite com seu faro animal”, comentava em poética prosa o jornalista.

Aluno-símbolo

Na reportagem, o então diretor da TN revelava que João Frederico, pescador por profissão, havia sido eleito o aluno-símbolo do Mobral de Pindamonhangaba e que, na diplomação que ocorreria no dia 12 de agosto daquele ano, no Clube Literário, ele seria homenageado pelos seus colegas.
Orlando Brito citava também a dificuldade do professor Moacyr de Almeida, presidente do Mobral em Pinda, e sua equipe de professoras e assessoras, na escolha do “aluno-símbolo”. João Frederico era apenas um dos exemplos de dedicação. Haviam outros. Como o Benedito Vitorino. Viúvo, “seu” Dito Vitorino tinha quatro filhos menores para criar. Trabalhava o dia inteiro na lavoura e à noite ia se alfabetizar. As crianças o acompanhavam até a porta da escola e ali ficavam à espera, “enquanto o pai desvendava os segredos da cartilha”.
Outro lavrador, o José Alexandrino, de 48 anos, frequentava o curso com a esposa, dona Maria Nair, de 39. Eram pais de 9 filhos, dos quais sete ficavam em casa e os dois mais novos, Expedita, de 5 anos, e Alexandre, 2 anos, tinham que ir com os pais para a escola. “Dormiam no fundo da sala de aula, atrás da carteira da mãe, que mantinha um olho no caderno e outro nas crianças”. A mãe levava duas mamadeiras e alguns lençóis.
Orlando Brito lembrava também do “seu” Jorge que, apesar dos 73 anos de idade, ficava orgulhoso como se fosse um menino, quando era chamado para escrever seu nome na lousa, e o fazia “com letra firme e redonda”.

O Mobral era assim…

Para Orlando Brito, Mobral era assim: “na porta da escola, crianças esperando pelos pais ou avós; cavalos amarrados aguardando tropeiros e peões; ferramentas descansando da faina do dia, enquanto lá dentro mãos calosas e pesadas rabiscavam frouxamente as primeiras letras.”
Havia os cursos fundamentais, de simples alfabetização, com duração de 5 meses; e os cursos integrados, para grupos mais adiantados, com duração de um ano. Ambos com fornecimento de material gratuito (lápis, borracha, cadernos e livros impressos pela Editora Abril).
Comentava também o articulista da TN, que o prefeito Caio Gomes Figueiredo havia acertado em escolher o professor Moacyr, atendendo indicação do Rotary Club, para presidir o Mobral em Pinda. E que o citado mestre estava satisfeito com sua equipe de professoras e assessoras, citando Maria Julieta Goffi de Andrade Sandim e Leonor Fogaça, e também as secretárias responsáveis pela organização interna na sede do Mobral: Maria Célia de Azevedo Homem de Mello e Leida Aparecida Loberto.
Na mesma reportagem, seu autor destacava que aquele programa educacional ia muito além da simples alfabetização. Não ensinava apenas a ler e escrever, “mas também a viver melhor, e tornar a vida mais fácil e agradável”. E que “dentro daquele aprendizado, as professoras iam descobrindo os dotes vocacionais, os pendores artísticos de cada aluno. E era assim que “uma bonita e variada galeria de trabalhos de artesanato ia surgindo em cada posto do Mobral.”

“Meu nome é João,
não Dedão”

Um fato curioso naquela diplomação realizada em 12/8/1972, a terceira de grupos mobralinos em Pinda, referia-se ao talento e originalidade dos alunos. Nos festejos da Turma Sesquicentenário da Independência, assim denominada em alusão ao 7 de setembro que se aproximava, chamou a atenção das pessoas presentes a apresentação de trabalhos de autoria dos alunos: poesias, desenhos, objetos em madeira, couro, palha e tecidos.
Entre os trabalhos expostos, dois destaques: o desenho do aluno João Batista, com o título “Meu nome é João, não Dedão”. Na opinião de Orlando Brito, mais que um desenho, era “o desabafo, o grito de vitória do mobralino recém-diplomado, que aprendeu a ler e a escrever, e não precisa mais usar o ‘dedão’ no lugar do nome.”

O outro destaque era a poesia do aluno José Alcides da Cruz, do posto 18 de Coruputuba (ver quadro abaixo).

  • A aluna dona Maria Nair sentava-se na última carteira; atrás dela, no chão, seus dois filhos menores, Expedita (5) e Alexandre (2 anos) dormiam...