Vanguarda Literária : POESIA E ÉTICA

O entrelaçamento dos temas “Poesia e Ética”, no momento atual, é mais do que patente, por implicar as questões do poeta e a suas atividades, em especial, na mídia globalizada. Alguns pensadores acreditam que esta, encontra-se regida por uma ética fortemente dominante, dotada pelas leis do Deus-Mercado, resistente, ou, até mesmo alheia à poesia.
Alguém, já escreveu alhures que a ética está inclusa no reino das normativas, do comportamento, da moral, do juízo sobre o certo e o errado, o bem e o mal, e a poesia é o reino da liberdade absoluta e não presta serviço à mesma. Será verdade?
Numa leitura da História da Filosofia, apreciamos Platão que expulsa a poesia da REPÚBLICA não por esta ser inútil, mas, perigosa! Na sociedade perfeita idealizada pelo grande filósofo grego, não haveria lugar para a exposição ao risco do espírito contestador da poesia.
Na leitura de Holdelin (poeta lírico e romancista alemão do século XVI), o filósofo também alemão Martin Heidegger analisou a inocência e, ao mesmo tempo, o perigo da linguagem poética.
Um fato é inconteste: todo texto poético expressa uma ética, por mais oculta que ela esteja, mesmo que o poema não ultrapasse o mundo hermético do mais fechado poeta. O poema é um produto ético na medida em que ele chega aos sentidos do leitor, toca-o, promove sentimentos, algum pensamento e alguma ação. Pode não ser imediato, mas, cumulativamente, moldar uma ética, que, obviamente, não implica em receituário de regras.
A poesia requer do artista um comportamento diante do mundo, uma cosmovisão, seja ela: artística, política ou religiosa. A poesia lírica, só para exemplificar, nos versos de Castro Alves (1847-1871), autor de “Espumas Flutuantes“, está marcada por uma ética de oposição aos valores do real (no caso, escravagismo); há uma análise do mundo vivido expressa em linguagem bela, rica, e livre de qualquer censura.
Na poesia crítica do pernambucano João Cabral de Melo Neto
(1920-1999), autor de “Morte e Vida Severina” há um componente ético de julgamento crítico da vida e da realidade. A Arte (sobretudo a poética) conduz ao surgimento de um fenômeno altamente construtivo: modificar o mundo e as pessoas, caso contrário ocorreria o risco de mostrar algo belo, emocionante e simplesmente narcisista.
Portanto, a poesia (inocente ou perigosa) explica e representa o mundo, mesmo que não haja a explícita intencionalidade do poeta, fato contido na força do poema revelando assim uma ética: seja crítica, seja de adesão a uma corrente de pensamento ou de crença, mesmo na crença de que o mundo vale a pena , com todas as desigualdades, a inversão de valores e os sofrimentos do cotidiano.

  • “Numa leitura da História da Filosofia, apreciamos Platão que expulsa a poesia da República não por esta ser inútil, mas, perigosa...”