História : Revolução de 1932 – Cartas de um combatente

Garimpar sempre um novo fato referente a um determinado tema tem sido o princípio básico desta página dedicada à história, causos, lendas e pessoas de Pindamonhangaba ou relacionadas a este município. Dentro deste conceito a Revolução de 1932 já foi assunto abordado em diversas edições, como a série “Memórias da Revolução – Diário do combatente Mário Amadei”, publicação em capítulos no ano de 2009. Semelhante à mencionada série, deixamos também registradas na Tribuna, algumas cartas escritas na Revolução Constitucionalista. Escritas nas trincheiras, lá onde os paulistas enfrentaram os irmãos em nome de uma constituição para o Brasil. Seu autor, embora não tenha sido pindamonhangabense (era de Botucatu) teve uma relação histórica com este município. Foi um dos formandos da turma de 1920 da Escola de Farmácia e Odontologia, a primeira faculdade de Pindamonhangaba. Sua filha, a professora Sylvia Galvão, foi moradora nesta cidade, faleceu em 2005, em um acidente automobilístico ocorrido na capital paulista quando, utilizando-se do transporte gratuito da Prefeitura de Pinda, se dirigia a uma unidade hospitalar para atendimento médico.
Infelizmente nosso material não é quantitativo nem tem qualidade. São cópias xerocadas, quase apagadas, de cartas enviadas pelo doutor (também era advogado), professor e poeta Sylvio Galvão, a sua esposa a qual ele amorosamente tratava de Maria…
Pesquisando, constatamos que as cartas na realidade eram cartões distribuídos à tropa. Identificados pela patriótica frase “Tudo por um São Paulo forte no Brasil Unido” e a denominação Correio Militar MMDC, traziam ilustrações nas quais se destacavam as bandeiras paulista e brasileira e o combatente constitucionalista, com espaço para o nome do batalhão e do soldado. O local destinado à escrita ficava entre duas frases; acima, um estímulo: “O entusiasmo das tropas apressa a vitória”; abaixo, no final desse espaço, um pedido: “Pais, mães, irmãos, amigos escrevei aos vossos soldados queridos despertando-lhes o entusiasmo”.
Da correspondência de Sylvio Galvão a sua amada, tivemos acesso a algumas mensagens enviadas da frente de batalhas onde ele se encontrava. As transcrevemos a seguir, numa sequência baseada nas datas em que foram escritas.

Fazenda Retiro,
24 de julho de 1932

Maria…
Que saudade bravia! A quietude das trincheiras pelo ‘front’, como dizem, dá-nos a ilusão de que a luta terminou. Soube agora mesmo que me enviaste o dinheiro pedido.
Obrigado
Sylvio

Fazenda Boa Vista,
21 de agosto de 1932

Maria…
Escrevo-te da trincheira. A minha escrivaninha é o fundo de um prato. Lindo lugar onde estamos. Verdadeiramente lindo. À esquerda, a cavalaria escura dos picos da Mantiqueira, a menos de um quilômetro à frente. Atrás, e à direita da casa da fazenda, a cerca de 200 metros, um panorama surpreendente… é um lençol amarrotado de morros em plano inferior, cambiado do azul escuro ao verde, vermelho, amarelo… Lá adiante, o cruzeiro, à noite, visto daqui, é uma jóia constituída de diamantes. Pouco adiante de nós, está Atibaia, invisível daqui. Dos homens que vieram comigo poucos ainda me acompanham. O nosso batalhão é extraordinário de resistência. Existem destacamentos dele por toda a parte desta região. Muitos dos prisioneiros nestes últimos dias foram feitos por nossa gente. No domingo passado assistimos a um belo combate de aviões sobre o morro onde estávamos: dois contra dois.
A saudade por aqui “urra na caixa do peito”. E o frio! Cruzes! Chuva todos os dias!
Adeus , abraços do Sylvio
PS. Lulu está aqui e vai bem

Fazenda Retiro,
23 de agosto de 1932

Maria…
Não se impressione com a falta de notícias. Quando elas faltam é porque tudo vai bem. No momento em que escrevo, por exasperação, não se ouve um só tiro, nem longe nem perto. Telegrafei há dias, pedindo-lhe mandasse 100$000, mas parece que você não recebeu o telegrama. Perdi a carteira com 90$000.
Adeus, abraços do Sylvio

Pinheiros,
26 de agosto de 1932

Maria…
Tenho uma vontade doida de conversar com você pelo telefone, mas… talvez só possa ir a Cruzeiro amanhã. As mulheres paulistas têm sido admiráveis em dedicação; mas falta ainda uma coisa: é empurrar para as trincheiras muita gente fardada que se exibe pelas cidades. É fácil conhecer os verdadeiros servidores da nossa causa. Eles têm três diferenças infalíveis: barba, sujeira e carrapatos. Soldado bonito nunca deu tiro.
Adeus. Abraços do Sylvio.

Trincheira da Matta,
29 de agosto de 1932

Maria…
Suas cartas têm-me chegado com 15 a 20 dias de atraso. Ainda hoje recebi um bilhete postal datado de 15 do corrente. Às duas horas você deve estar em Botucatu, se é que não resolveu aproveitar mais a oportunidade do passeio. Eu continuo aqui. Já me sinto cansado. A sujeira também cansa. Aqui não há novidades. Neste momento, aviões nossos lançam cerca de trinta bombas sobre o inimigo. Entre a nossa gente e a das trincheiras da frente há troca há troca de “amabilidades” de fuzil e de boca.
Adeus. Abraços do Sylvio

Trincheiras do Piaguy,
27 de setembro de 1932

Maria…
Quisera celebrar meu aniversário em casa, mas não é possível, pelo que vejo. Celebro-o aqui mesmo. O inimigo está “camarada”. Ante ontem os nossos foram esfogueteá-lo nas suas trincheiras! Aqui, somos onze “valientes” sendo a maioria de estudantes.
Adeus. Abraços do Sylvio

Trincheira do Piaguy,
28 de setembro de 1932

Maria…
Trinta e quatro anos hoje. Não podendo celebrar a data com vocês, celebro-o com a minha família daqui, onde estão o Luís, o Serrador, o Paulo Moreira Barbosa, o (nome ilegível na cópia da carta), o Jordano, o (outro nome ilegível) e outros. O Liacca e o Serafim chegaram hoje. Recebi a carta que este trouxe e o dinheiro. Estou bem de finanças.
Obrigado e adeus. Abraços do Sylvio

Trincheiras do Piaguy,
29 de setembro de 1932
Maria…
Nada de novo na frente do Paraíba… É só o que lhe posso contar a respeito do que se passa. Tenho um palpite de que estamos no fim. E Deus permita que assim seja, pois já não aguento mais de saudades. Meu coração festeja esta possibilidade meio tola…
Adeus. Abraços do Sylvio.

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O Correio Militar MMDC

A denominação provém da sigla adotada em homenagem aos mártires precursores do movimento, assassinados e em 23 de maio de 1932: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo. A sede deste serviço postal criado na Revolução de 1932 era na capital paulista, com diversas agências espalhadas pelo interior e também no estado do Mato Grosso. Normalmente as agências funcionavam em salas simples, instaladas na Casa do Soldado.
Conforme definição encontrada no prefácio do O livro de Instruções do Correio MMDC assim define em seu prefácio o objetivo deste serviço: “…tem por escopo facilitar o envio de notícias aos soldados que se batem nas linhas de fogo e estabelecer o intercâmbio das cartas, pequenos volumes e valores, entre eles e seus familiares. É um traço de união permanente entre a cidade. Entre os bravos no Norte e do Sul; do Leste e do Oeste.”
Era um serviço bem organizado. No final de setembro de 1932 cerca de 2.500 cartas era expedidas e recebidas diariamente. Em alguns locais ocorria o intercâmbio com os Correios e Telégrafos, órgão federal, tudo à semelhança de um correio convencional.

(Fonte www.abrafite.com/correio.htm, Associação Brasileira de Filatelia Temática, artigo de Geraldo Ribeiro Jr.)

  • Créditos da imagem: www.abrafite.com/correio.htm
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  • Créditos da imagem: www.brasilcult.pro.br/historia/mmdc.htm
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