Proseando : SE A MODA PEGA

A loira chegou no meio da madrugada acompanhada de serviçais: a senhora grisalha e o rapazote. Estabeleceram-se no enorme sobrado de esquina, em bairro paulistano. Pela manhã, ginasticou em corrida moderada pelo jardim, sob olhares da vizinhança curiosa. Era mulher escandalosamente linda: corpo longilíneo, olhos cor de mel, cabelos levemente ondulados roçando os ombros. Seus gestos elegantes eram inimitáveis. Ninguém poderia supor que milagres cirúrgicos ocultavam seis décadas.
Mais tarde, deixou o sobrado desfilando em vestido exuberante. O queixo, levemente altivo, sustentava sorriso imodificável e discreto. As mãos, em luvas de rendas, empunhavam sombrinha rosácea contra fustigações solares.
– Meu sonho éter um vestido igualzinho.
– Esquece, amiga. Nem fazendo muita hora extra.
Ao ouvir o diálogo, a loira interrompeu os passos.
– Bonjour! Vocês também podem ter um Dolce & Gabbana.
– Como? – Indagaram uníssonas.
Explicou que era amicíssima de Domenico e Stefano. Bastaria enviar a eles as medidas que o sonho se realizaria. E o preço? Ah, nada avultante. Caso necessário, suavizaria em parcelas.
Persuadidas, rumaram ao sobrado onde a senhora grisalha manuseou fita métrica, anotou medidas; e o rapazote saiu seguindo orientações da loira.
No dia seguinte, fila interminável se formou.
Semanas depois, as encomendas começaram a tornar o bairro mais elegante, cheio de narizes empinados que menosprezavam empréstimos contraídos.
A febre só foi contida quando a esposa de celebridade local aderiu ao modismo. Recebeu o Dolce & Gabbana, vestiu-o e desfilou imponente pelas ruas. Mas murchou quando, entrando em casa, viu a cozinheira com vestido de estampas florais idêntico ao seu.
– Comprei da francesa, não, patroa. Eu mesma fiz. Comprei o pano no Brás.
A notícia correu. A polícia investigou e desmascarou a quadrilha:
1 – A senhora grisalha era costureira;
2 – O rapazote era quem comprava os tecidos;
3 – A loira falsificava etiquetas.
Depois disso, jurei não fazer mais papel de bobo. Minha esposa que me perdoe, mas de agora em diante, só a presenteio com roupas sem etiqueta.