Nossa Terra Nossa Gente : SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO, MAR DE ETERNIDADE

No dia 6 de novembro, Portugal e o mundo celebraram o centenário de nascimento da poeta e ficcionista Sophia de Mello Breyner Andresen (1919 – 2004). Agraciada em vida com inúmeros prêmios, destaco o Prêmio Camões e o Prêmio Pessoa, ambos a ela atribuídos em 1999.
Adentrar a sua vida através de sua obra (poesia, contos, crônicas e literatura infantil) permitiu-me tocar o Indizível que, em Sophia, pulsa sua atemporalidade e sua universalidade e que,na sua escrita,marca a função social da poesia: a denúncia da injustiça, da desigualdade, de qualquer tipo de alienação ou atropelo à dignidade humana (tão prementes ao nosso tempo…).
A arte poética perfilhada por Sophia também abarca o seu fascínio pelo mar, como se pode ler em “Inscrição”, poema do Livro Sexto:

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.

E, ao refletir sobre esses seus versos, apreendi o sonho poético de Sophia: ser mar, mar de Portugal que ela tanto cantou e amou, mar de eternidade que a sua produção literária cunhou nos países de língua portuguesa e em tantos outros em que sua obra tem sido traduzida, lida e estudada com afinco.
Esse sonho de Sophia dialoga com uma “carta-presente de aniversário” que redigi a um outro grande poeta pindamonhangabense, o amigo e irmão de alma Ricardo Estevão de Almeida e que, por ora, é o que tenho de mais precioso para presentear aquela que emprestou seus versos e sua voz para construir jardins coração adentro, para edificar moradas cidade afora.

UM RIO CHAMADO AMOR,
UM MAR CHAMADO ETERNIDADE

Foi catando as pedrinhas da vida que eu o encontrei. Fiozinho de água límpida, brotando do chão e, sem pestanejar um segundo, seguindo o seu rumo, entre vales e montanhas, a caminho do mar.
Fiquei tão encantada com tamanha determinação que, sem saber quando nem por quê – Desde sempre? Por que te amo? – me vesti de poesia para acompanhar a pretensiosa travessia.
E entre os braços e os abraços do majestoso vale, seu sonho foi se enamorando de outros rios, de outras pedras, de outras margens mais largas e profundas. E aquele fiozinho de nada, junto de outros fiozinhos de água, corria veloz no galope indomável de outras quedas, de outras serras, de outras cachoeiras escondidas no seio da terra.
Energia. Força vital que minha alma sorve, embevecida de sua realeza. Sede infindável. Poesia. Embornal de rimas, repleto de pedrinhas miúdas recolhidas aqui e acolá para que o seu rio siga a sua própria sina e se funda, um dia, ao rio da vida.
Rio-mar. Em cuja superfície, deslizam águas claras e vivazes. Em cuja profundeza, tranquila e escura, navega o seu sonho. Sonho de encontrar o mar. Mar de sabedoria. Mar de amor.
E, às margens deste seu rio-mar, prossigo. Guardiã invisível de seu leito. Até o dia em que não mais encontrar pedrinhas miúdas pelo caminho. Até o dia em que encontrar apenas conchinhas espalhadas pela grande praia. Conchinhas de se ouvir a voz de Deus, a voz do mar.
Mar de segredos. Mar de sonho. Mar de amor! Profundeza singela que abriga aquele fiozinho de água e o seu rio todinho de doçura! Eternidade!
Mar de eternidade! Mar de Sophia de Mello Breyner Andresen!!!

  • Sophia Andresen foi a primeira mulher a receber o Prêmio Camões, o maior prêmio literário da língua portuguesa