História : Mário, o Amadei combatente
Italiano naturalizado brasileiro, Mário Amadei era um jovem de 22 anos e residia em Pindamonhangaba quando estourou a Revolução de 1932. Idealista, não relutou em aderir à luta em defesa de seu Estado e pela constituição, como fizeram os pindamonhangabenses tendo como herói maior, o general Júlio Marcondes Salgado, morto naquele conflito que mobilizou as famílias paulistas, incluindo mulheres e crianças.
Conheci o seu Mário Amadei quando eu era ainda um menino. Meu pai prestava serviços voluntários no Lar Irmã Terezinha, entidade espírita kardecista na qual Mário Amadei também foi um dos fundadores e dedicado colaborador.
Em 1995, tive a oportunidade de entrevistar o incansável Amadei para uma matéria que a Tribuna do Norte publicaria em sua edição de 30 de junho a 3 de julho daquele ano. Foi uma tarde agradável ao lado dele e de dona Celeste Wanda Pestana Amadei, a noivinha para quem, morrendo de saudade, ele direcionava seus pensamentos quando se encontrava lá no front, rechaçando as forças legalistas.
Na ocasião da entrevista já havia se passado 63 anos após aquele episódio fraticida. Mário Amadei estava com 85 anos, sua companheira, 81. E era ela, emocionada, quem melhor recordava do acontecido. Amadei já encontrava dificuldades em relembrar as próprias anotações que fizera em seu diário de combatente, chegando, às vezes, a admirar-se de determinadas passagens por ele vividas.
Atenciosa e dedicada ao companheiro, dona Celeste, pelo que a sensibilidade permitiu-nos observar naquele encontro, continuava tão enamorada de Mário Amadei quanto teria sido naqueles angustiantes meses em que uma luta armada entre povos da mesma nação os havia separado.
“O caminhão estava lá… muitos moços estavam lá. Na despedida, Mário beijou minhas mãos… o toque de seus lábios permaneceram por muito tempo, gosto de carinho gravado com amor”, contou-nos dona Celeste referindo-se ao dia em que seu noivo partira para o front.
Ela confessou que ficava muito nervosa com a notícia de alguma morte ocorrida na frente de batalha. A correspondência entre eles era escassa, difícil. Eram raros os portadores. Mas guardara todas as cartinhas desde o início do namoro. Para isso, ela se valia de uma prática não muito comum, passava a limpo as cartas. As copiava em um caderno. Segundo ela, Mário Amadei também tinha esse procedimento, cada qual copiava a carta que recebia do outro.
Momentos de incertezas e angústia somavam-se à saudade. Enquanto o namorado estava na linha de frente, dona Celeste também experimentava dias difíceis. Ela lembrou que havia o blecaute, quando a cidade ficava às escuras para se proteger de bombardeios. E que sua família tivera que deixar a casa na cidade num carro de boi. Que tinham ido para uma fazenda no Pinhão do Borba levando apenas uns poucos objetos e algumas joias, lá permanecendo até o final da Revolução.
Felizmente, Mário Amadei retornou ileso, pelo menos sem sequelas físicas (ele só deixaria o plano terreno em agosto de 1997). Cinco anos depois eles se casaram e tiveram cinco filhos: Maria Helena, Maria Inês, Mário Amadei Junior, Luiz Gonzaga (falecido) e José Carlos.
Papai dedicado, piloto abençoado…
Ainda relembrando aquela entrevista realizada na chácara de sua filha Maria Helena, lá no Crispim, é oportuno ressaltar uma das qualidades de Mário Amadei exaltadas por sua companheira e confirmada pela filha: a de bom pai.
Contava dona Celeste que Mário Amadei era um pai dedicado, tanto que nos aniversários das crianças era ele quem fazia e confeitava os bolos. E esta sua dedicação paterna o teria poupado de um acidente que teve vítima mortal. Isso ocorreu em 1941, numa festa do Aeroclube. Mário Amadei, brevetado por aquela entidade e possuidor de credenciais de piloto aviador civil expedida pelo Aeroclube do Brasil (Federation Aeronautique Internacionale), do Rio de Janeiro, seria o parceiro do instrutor de pilotos Antonio Bulcão Giudice num voo teste. Iriam testar um Tiger Moss, aeronave que havia sido doado pela Marinha Brasileira.
Aconteceu de a dedicação paterna de Amadei ocasionar um atraso em sua chegada ao Aeroclube. O tempo que ele levou trocando a fralda de sua bebê, foi suficiente para que Antonio Giudice, resolvesse subir sozinho. Mal sabia que aquele não seria seu maior voo, seria seu voo maior… aquele que mais cedo ou mais tarde todos fazem, o de retorno à pátria espiritual. Por algum motivo o velho Tiger Moss não ficou muito tempo no ar. A queda fora inevitável.
Mário, que chegara atrasado, acostumado a iniciativas imediatas, correu ao local da queda e chegou a apagar, com terra, as chamas que consumiam o corpo de Giudice. Infelizmente, o que restara do piloto, considerado o fundador do Aeroclube, era o bastante para caber num saco, conforme recordou, emocionado, Mário Amadei.