História : A visita do presidente da Província
Entre as ilustres visitas recebidas pelo povo da Pindamonhangaba de antigamente, uma delas, ocorrida há 132 anos, foi registrada de forma bem humorada por um cronista da Tribuna do Norte (28/3/1886). O visitante era o conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira, na época presidente da Província de São Paulo (governador de Estado).
Era o dia 20 de março de 1886. Pelo telégrafo, a cidade ficou sabendo que o conselheiro João Alfredo estaria em Pindamonhangaba pela manhã. Conta o redator da TN que às nove horas os admiradores (conservadores) do político já estavam na estação à espera do expresso que o traria chegando às 10h20 daquela manhã.
Na estação, o comandante do destacamento perfilou a guarda, que era composta de apenas seis homens; as autoridades, de acordo com sua importância, posicionaram-se à frente da plataforma; o orador que faria a saudação em nome do partido limpou a garganta, e estava com a coisa sai não sai. A música ia já romper os ares quando chegou o trem e nada de se avistar o homem. Um passageiro apareceu na porta do carro de 1ª classe e todos pensaram que fosse ele. O comandante colocou seus soldados em posição. O orador se preparou para o discurso.
Nisso surgiu o chefe do trem, que não havia sido convidado para a festa, e apressou-se em explicar que ainda era cedo para dar começo à manifestação, pois S. Excia. só sairia da capital às 14h30 em trem especial, só pelas 18 horas poderia estar na cidade, informação que poderiam verificar no Correio Paulistano daquele dia.
Aquilo causou insatisfação, havia pessoas que ali estavam ali desde às 8h30 para ter o prazer de ver o herdeiro da coroa, o sucessor de Cotegipe.
Caminhando de volta da estação naquele sol abrasador, os pindamonhangabenses comentavam que o homem não deixaria de vir. Não precisou nem dizer na cidade que o homem não viera, só o silêncio glacial que por ali andava tornava evidente que não.
Em poucos minutos o povo ficou sabendo que chegaria às 18 horas. Às 16h30 já muita gente se encaminhava para a estação. Era muita vontade de ver o presidente, da Província. “Aguentar o sol ardente das 16h30 às 18 horas para vê-lo ter o prazer de pisar em Pindamonhangaba”.
Faltavam 10 minutos para as 18 horas quando o comandante perfilou seus soldados. A população se estendeu novamente pela plataforma e repetiu-se em todas as suas partes a cena daquela manhã.
Mas deu 18, 18h10 e nada. “Teria ocorrido alguma desgraça! Será possível! será possível”, pensavam inconformados. Foi aí que o chefe da estação, vendo a aflição que comprimia aquela gente, anunciou que era cedo demais para ele chegar, pois ainda estava em Jacareí.
“Esperaremos até o amanhecer. Muito mais do que isso. Ele merece. Sim senhor! Sim senhor!”, foi a voz geral. E lá ficaram alegremente, pelo simples prazer de vê-lo”.
“Eram 21 horas! A cidade estava agitada. De repente ouviu-se a locomotiva… É ele, é ele, murmurei”, conta o redator da Tribuna acrescentando, “e o eco ao longe respondeu: ‘é ele’”.
E o trem imperial chegou trazendo o conselheiro João Alfredo e sua comitiva. A música atroou pelos ares com uma marcha brilhante, e logo atrás da música uma imensidade de foguetes. O homem estava em Pindamonhangaba. Todos querendo vê-lo correram para a porta dianteira, por onde, naturalmente deveria saltar, mas o conselheiro, comodista como ninguém, desde que percebeu que era impossível rasgar aquela massa de povo, procurou sair pela porta traseira. O povo, porém descobriu a estratégia e só a muito custo ele pode saltar fora.
Estava com muita pressa. Deixou-se para depois os cumprimentos mais solenes. “E o discurso lá ficou, morto antes de nascer… mortus est pintus in casca”, ressaltou com certa ironia o representante da imprensa.
Embarcou então João Alfredo em uma carruagem que ali se encontrava, prevenindo que no fim de duas horas estaria seguindo para Guaratinguetá.
Em menos de 20 minutos tinha percorrido toda a cidade, a igreja matriz, a cadeia e a casa da câmara, dirigindo então para o jardim público localizado às margens do Paraíba (Bosque da Princesa). Mas o jardim estava fechado àquela hora da noite. Toca a procurar o porteiro daquele histórico logradouro.
Restavam apenas 10 minutos de visita quando finalmente o conselheiro pode adentrar o jardim e “em cinco minutos tudo estava visto e revisto, perfeitamente conhecido”, e disse então o ilustre visitante: “Agora, meus amigos, a galope para estação. E em furiosa carreira lá se foi, dando por encerrada a sua visita, o dever cumprido de estadista”.
Finalizando sua crônica sobre a visita tão aguardada pelos pindamonhangabenses, o cronista ainda conta que “muita gente ficou sinceramente entristecida, mas não era de se estranhar, porque (esclarecia em irônica quadrinha):
Tudo no mundo fenece
a pobre desgraça minora,
só quem não ama não sente
quando seu bem vai-se embora”
Deste fato histórico e muito curioso ocorrido na Pinda antiga fica a dúvida, a população teria realmente vivido tais momentos de idolatria por um estadista ?!! ou teria o jornalista da Tribuna exagerado na dose de ironia ao registrar a passagem do mesmo pelas terras da Princesa do Norte?!!…
João Alfredo Corrêa de Oliveira
Nasceu no dia 12 de dezembro de 1835, na Ilha de Itamaracá, Pernambuco. Filho de Manoel Corrêa d’Oliveira Andrade, tenente-coronel da Guarda Nacional, e de Joana Bezerra de Andrade. Era o segundo filho de 14 irmãos, teve na infância uma preocupação constante com a vida política e com os estudos.
Precoce, aos 20 anos, foi eleito deputado mas não tomou posse no cargo por não possuir idade legal. Formou-se em Direito, aos 21 anos, em 1858, na Faculdade de Direito do Recife.
Destacou-se tanto como político, como administrador. Foi deputado pela Assembléia Provincial (1858, e em 1876, presidente), deputado pela Assembléia Geral do Império (1860, 1868, 1876), conselheiro de Estado (1887) e senador do Império (1877 a 1889). Como administrador presidiu a Província do Pará (dezembro de 1869 a abril de 1870), foi ministro do Império (1870 a 1875), presidente da Província de São Paulo (agosto de1885 a abril de 1886), diretor da Faculdade de Direito do Recife (1876 a 1887), ministro da Fazenda, presidente do Conselho e presidente do Banco do Brasil, no governo Hermes da Fonseca (abril de 1912 a novembro de 1914).
Além dos dotes políticos e administrativos, tinha grandes preocupações culturais e interesse pela educação. No Rio de Janeiro, fundou uma escola de Aprendizes Marinheiros, criou a Faculdade de Medicina, a de Direito e a Escola Central, chamada de Escola Politécnica. Protegeu os artistas, especialmente pintores como Pedro Américo e Vitor Meirelles, aos quais encomendou os quadros Avaí e Guararapes, respectivamente.
Foi autor de várias outras iniciativas importantes para o País, como a criação do ensino popular noturno, do ensino profissionalizante e da obrigação do registro de casamento e óbito.
Grande estadista brasileiro do Segundo Reinado, o seu nome está ligado ao processo de abolição da escravatura: como ministro do Império do Gabinete Rio Branco, que promulgou a Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871) e como presidente do Gabinete de 10 de Março, promulgou, ao lado da Princesa Isabel, a Lei Áurea (13 de maio de 1888), extinguindo a escravidão no Brasil.
A sua atividade intelectual foi prejudicada pela prioridade que sempre deu à atividade política. Escreveu os seguintes trabalhos, reunidos no livro Minha meninice & outros ensaios, publicado pela http://www.fundaj.gov.br/docs/publi/ema.htmlEditora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco, em 1988, na série Abolição: Minha meninice; Memórias políticas; O Barão de Goiana e sua época genealógica; Depoimento para a história da abolição e O Imperador: poder pessoal.
Monarquista convicto, com a proclamação da República retirou-se da vida pública.
Morreu no dia 6 de março de 1919, no Rio de Janeiro, sendo enterrado no cemitério São João Batista, na presença de altas autoridades, inclusive ministros de Estado. O caixão foi conduzido em certo trecho por membros da Irmandade do Rosário, à qual pertencia, e depois por ex-escravos libertos.
FONTES CONSULTADAS:
ANDRADE, Manoel Correia de. João Alfredo: o estadista da abolição. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1988.
OLIVEIRA, João Alfredo Corrêa de. Minha meninice & outros ensaios. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1988.
SILVA, Jorge Fernandes da. Vidas que não morrem. Recife: Departamento de Cultura, 1982. p. 235-236.