Nossa Terra Nossa Gente : CARTAS AO “POETA MAIOR”
Conhecemo-nos no prédio em que moro. Ela, uma senhorinha miúda, magra, de óculos de lentes grossas e um sotaque muito distinto. De imediato, a simpática vizinha me contou que era de Belém e que estava passando uma temporada em Pindamonhangaba para fugir do verão escaldantedo Pará e, também, para cuidar da saúde.
Nossa amizade se estreitou quando descobrimos que o que movia seus sóis e suas estrelas, movia igualmente meu “universo particular”: a Literatura! Era um tal de receitarmos livros uma para a outra que não tinha fim: Guimarães Rosa, Drummond, Manoel de Barros, Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Hilda Hilst, Sophia de Mello, Fernando Pessoa…
Uma manhã, ela segredou-me que durante um período de sua vida correspondeu-se com nosso “poeta maior”, Carlos Drummond de Andrade! E disse que, se eu tivesse interesse, poderia presentear-me com cópias dessas cartas. Pulei de alegria! Teria presente mais excepcional no mundo?
Tão logo D. Eucivalda Darwich desembarcou em sua terra natal, postou-me cópias das correspondências trocadas nos anos de 1970. Nas cartas dela, sua magistral escrita (como escreve bem!); nas cartas do poeta, poemas manuscritos e/ou artigos de sua autoria publicados nos jornais do Rio de Janeiro – delicadeza advinda de sua alma mineira e do admirável respeito ao público leitor de suas obras!
Da coleção, seleciono um trecho de sua primeira carta datada de 18 de novembro de 1977: “Poeta Maior: Desde que li em um jornal local sobre a vida que vem levando num apartamento do Rio de Janeiro, senti como um aperto no coração e uma tristeza enorme. É difícil viver em Copacabana, principalmente um vocacionado aos grandes espaços, cheiro de terra, amanhecer espontâneo, sem ser acordado pela cidade. Ou me engano? É terrível conviver com apartamento. Tenho experiência da rua Copacabana por um mês de férias, cada ano, mas logo, logo, já estou querendo voltar às minhas mangueiras. A intenção aqui é tentar dizer-lhe do nosso amor, do quanto é querido por muita, mas muita gente. (…) Não espero que responda mas rogo que leia e acredite que tenho um Amazonas imenso em mim, de afeto, de gratidão, de admiração, por tudo que já nos deu e ainda pode dar… Um beijo imenso, extensivo a sua esposa. Eucivalda”
O “poeta maior” responde-lhe nove dias depois, com poucas palavras, entretanto, imbuídas de um sentimento amoroso que supera as poucas linhas: “Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1977. Cara Eucivalda: só de ler sua carta, senti-me entre as mangueiras de Belém, em companhia amiga e vida mansa, que fazem bem à alma. Obrigada, Eucivalda: que grande coração você botou em suas palavras! O abraço comovido de Dolores e do Carlos Drummond”.
Em 1987, o mais influente poeta brasileiro mudou-se definitivamente do apartamento 701 da rua Conselheiro Lafaiete, 60, no Rio de Janeiro. A estimada vizinha, no inverno, sempre retorna para suas mangueiras em Belém. Nunca trocamos correspondências. Nossos tempos são de mensagens eletrônicas. Mas eu carrego “um Amazonas imenso em mim, de afeto, de gratidão, de admiração” tanto pelo destinatário quanto pela remetente de tão precioso tesouro. Tempo e espaço? Eles não existem para aqueles que tiveram a alma transpassada pelo Amor Maior, este que cintila nos versos, contos, crônicas de Drummond; esse que poreja no abraço da amiga paraense que em breve retorna à sua residência de veraneio em nossa Pindamonhangaba!