Proseando : BANHO QUE VALE CARRO

O fato aconteceu no distante ano de 1947. Para alavancar as vendas e afastar de vez a concorrência, certo fabricante de sabonetes prometera automóvel 0km a quem encontrasse chave dentro de seus produtos.
Os irmãos da Rua Sem Nome, exceto o primogênito, investiram toda a economia na aquisição dos sabonetes, supostamente, premiados. A partir de então, o único chuveiro da casa tornou-se disputadíssimo, e o tempo dos banhos não durava menos que 60 minutos. As demoras acendiam pavios curtos.
Os leitores poderão afirmar que banhos e rusgas eram desnecessários, pois bastaria dividir os sabonetes em pequenas partes até encontrar a chave. Bastaria. Entretanto, qualquer método que evitasse o contato do sabonete com o corpo, infringia o regulamento.
O primogênito, inventor de mirabolantes “pegadinhas”, para tornar mais interessante a caça ao tesouro, introduziu chave dentro de um sabonete, cuidando para não deixar vestígios da violação, e o juntou com os demais, em caixa de papelão depositada sobre a mesa da sala de jantar.
Quando os irmãos descobriram a travessura, o pau comeu. Não fosse a interferência da mãe, a Terceira Guerra Mundial teria começado. O pai, com o cinto numa das mãos, contou os sabonetes e afirmou:
– Dividirei em partes iguais. Ficarei com um para que a divisão seja exata. Alguém se opõe?
No dia seguinte, o caçula, que banhava-se pela enésima vez, depois de meia hora, gritou:
– Achei! Achei! Achei!
Saiu mal embrulhado pela toalha, segurando o sabonete de onde emergia a chave premiada. Correu até a rua pulando igual cabrito. Um desses pulos arrancou-lhe a toalha e publicou sua miudeza.
O primogênito ria, gargalhava. Apenas parou de se divertir quando ouviu o pai gritar de dentro do banheiro.
– Moleque safado! Então foi isso. Enfiou uma chave enferrujada dentro do sabonete para enganar aos irmãos. Me machucou. Assim que sair daqui o couro vai comer.
O primogênito até hoje tem a marca da fivela estampada nas nádegas. O caçula? Ah, esse ganhou um Chevrolet 47.