Proseando : SOBRE SALTO
O hálito do outono depenava a tarde. Em breve, a noite envolta no cachecol de estrelas assumiria o trono do tempo. Enquanto isso, no edifício anônimo aninhado na Alameda dos Rouxinóis, o impasse se arrastava.
Em passos minúsculos o protagonista se esgueirava pela sacada do oitavo andar e arriscava olhadelas para baixo. Via e ouvia o trânsito enfurecido. Recuava. Encostava-se à janela com o coração socando o peito. As pernas eram fiapos em tremuras.
A plateia alocada na sacada de outros apartamentos do edifício em frente, incentivava o salto.
– Pula! Pula!
– Tá com medo de quê?
– Deixa de ser covarde!
– Vai continuar vivendo essa vidinha medíocre?
– Termine logo com isso!
– Seus pais o abandonaram!
Ele inflava o peito para buscar coragem onde não havia, e olhava o sol escorregar na direção do colo da Mantiqueira.Queria ser aquele pássaro de fogo livre no infinito, dono de si mesmo.
Em meio ao turbilhão de pensamentos, os olhos anunciavam hidrografias e a cabeça reverberava a frase mais insensível que ouvira: “Seus pais o abandonaram!”.
A dor era um punhal que lhe bicava o peito.
“Seus pais o abandonaram!”.
A dor era um veneno que sangrava o coração.
“Seus pais o abandonaram!”
Se soubesse que os pais foram sequestrados e morreram no cativeiro, aquela frase perderia o significado e a decisão de pular não sofreria prorrogações.
Fechou os olhos para imaginar o salto. Sentiu calafrios e, decidido a desistir, assim que abriu os olhos foi empurrado e…
d
e
s
p
e
n
c
o
u.
A plateia atônita respirou aliviada quando o rouxinol abriu as asas e voou.