História : O imperador da Festa do Divino
Este é um fato pitoresco ocorrido na Pindamonhangaba do início do século XIX. O pivô do acontecimento tem a ver com um evento cultural que em alguns municípios faz parte do calendário turístico: a Festa do Divino. Festa móvel católica realizada no Domingo de Pentecostes, sempre cinquenta dias depois da Páscoa, em comemoração à vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo. Nossa fonte é um documento datado de 4 de agosto de 1827, transcrito pelo paleógrafo, professor Jurandyr Ferraz de Campos, quando coordenador do Arquivo Municipal Dr. Waldomiro Benedito de Abreu.
Naquele ano de 1827, o cidadão Salvador Francisco de Tolledo foi a juízo com a intenção de receber a quantia de oito mil réis que o padre Luís Justino Velho Columbreiro lhe devia e morrera sem lhe pagar.
O padre mencionado, na ocasião em que contraíra a dívida era vigário colado (pároco) da Vila Real de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba, mas foi na qualidade de “imperador da Festa do Divino ”que havia acertado com Salvador de Tolledo que lhe pagaria dezesseis mil réis para que o mesmo saísse pela região levando a bandeira do divino, cantando na folia e recolhendo donativos dos fiéis para a realização dos festejos ao Divino Espírito Santo.
Nesta missão Toledo teria passado três meses longe de casa, andando “por caminhos agros (terra cultivada ou cultivável), espinhosos e cerros (colinas penhascosas)”.
Como pagamento pelas andanças à cata de recursos para a festa, o padre pagara-lhe somente a metade, ou seja, oito mil réis, e não fora em dinheiro, mas “em fazenda na ‘logem’ de José Camillo Lelles”.
Tomando o termo “logem” como casa de comércio e atentando para o complemento “logem de fazenda ceca” (que cremos era a grafia da época para o substantivo feminino “seca”) utilizado pelo escrivão na ocasião do depoimento de José Camillo Lellles na qualidade de testemunha de Tolledo, e considerando o termo “fazenda” como mercadorias, concluímos que o estabelecimento onde o padre havia autorizado seu credor a receber em mercadorias, comercializava gêneros sólidos e não molhados como vinho azeite e outras substâncias líquidas. E fora o que o contratado pelo então imperador do divino recebera, conforme confirmação do comerciante Lelles, acrescentando que sabia que o padre ficara devendo outra parte por “ser da casa do falecido vigário”, no sentido de ser conhecido da família, frequentar sua residência.
As testemunhas
Além do mercador Lelles, no processo foram inquiridas como testemunhas por parte de Francisco de Tolledo, o padre Claro Vieira Cortes. Este religioso declarou estar ciente da dívida do vigário, mas não se lembrava quanto ao tempo de duração da empreitada de Tolledo, se haviam sido mesmo três meses.
Outra testemunha apresentada, Joaquim Ferreira da Silva, fora um dos integrantes da comitiva do divino liderada por Tolledo, “um dos companheiros de folia”. Segundo este, “andaram mais de três meses pelos distritos da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso, Taubaté São Luís, Cunha e outras localidades na mesma diligência de pedir esmolas…” Joaquim não só confirmou a dívida do padre, mas afirmou ser o vigário “homem muito pouco inclinado a pagar o que devia”.
Consta na conclusão do processo, que não tendo sido apresentada nenhuma oposição por parte de José Cerqueira César, testamenteiro do padre Justino Velho Columbreiro, o juiz Antonio Melitão de Souza Aimbere determinou “que apensa aos autos de inventário do finado devedor se lhe separassem bens para seu devido pagamento, sem prejuízo de terceiro”.
O vigário Luís Columbreiro
Consultando Athayde Marcondes (Pindamonhangaba Através de Dois e Meio Séculos, Tipografia Paulista, São Paulo-SP, 1922), verificamos que o vigário Luís Justino Velho Columbreiro – ordenado padre pelo Seminário São José, do Rio de Janeiro, em 1779 – fora responsável pela paróquia de Pindamonhangaba de 1793 a 1806. Seu falecimento se dera em 25 de agosto de 1826.
Levando em conta os dados registrados por Athayde, a cobrança vinha a juízo um ano após a morte do devedor. Ainda com bases no mesmo autor, mais curioso é o fato de a dívida haver sido contraída no período em que o padre exercia a função de pároco, isto é, pelo menos 20 anos antes. Supõe-se então que o credor tenha sido cobrado ao longo de duas décadas e nada do ‘seu vigário’ soltar-lhe os cobres…
Imperador do divino
O imperador do divino é considerado a figura central da Festa do Divino. Em “Festa à Brasileira: sentidos do festejar no país que ‘não é sério’ (disponível em publicação eletrônica na internet, via www.aguaforte.com/antropologia/festabrasielira/festa.html), Rita Amaral cita entre os compromissos de um imperador do divino, a responsabilidade pela coordenação da festa, “juntamente com o padre da igreja local e alguns mordomos, e pela maior parte dos investimentos feitos”. É o organizador dos eventos da festa e quem arca com grande parte dos gastos com a realização da cavalhada, fogos, decoração da cidade (ajudado pelo prefeitura), apresentações das bandas etc. Também recebe as pessoas da festa e visitantes em sua casa, onde deve oferecer comida e bebida.
“De sua casa saem: alvorada do sábado e do domingo, procissão da coroa, procissão do Espírito Santo e os cavaleiros, para ensaio. Voltam a sua casa: procissão da volta da coroa, bandeira e cortejo ao final da festa”.