Proseando : RIQUEZA CAIPIRA

O sol chicoteava o forasteiro que se arrastava pela estrada poeirenta e pedregosa. O terno amarelo-ouro estava encharcado pelo suor. A camisa de cetim, colada à pele. Os pés moídos multiplicavam bolhas.
O eixo do automóvel se quebrara ao enfrentar cratera mais profunda. Após avaliar o estrago, tentou acionar o seguro. Mas, naquele fim de mundo, o telefone móvel não capturava sinais.
Cambaleava. Estava sem água. Precisava encontrar civilização. Precisava encontrar alguém que consertasse o veículo. A entrevista estava marcada há dias. Não podia perder a oportunidade de emprego cujo salário era astronômico.
Depois de quilômetros percorridos a pé, finalmente encontrou um casebre à beira da estrada. O caipira estava no rancho, sentado num toco de árvore, confeccionando cigarro de palha. Ao lado, a garrafa de Sapucaia Velha. O forasteiro se aproximou.
– Por favor, me arrume um copo d’água.
– Craro. Mái dexa eu falá. Moço do céu. Pensei qui a pinga tava me birutano. Quano oiei ocê vino, pensei cocê fosse uma banana beuda.
– Piadinha sem graça. Vai me arrumar água ou não vai?
– Entra lá dentro. Pó pegá água da moringa.Tá fresquinha.
Entrou. Encontrou dois copos. O menor, com trincas, ensebado. O outro, aparentemente limpo. Destampou a moringa e encheu o copo maior. Bebia sofregamente quando o morador entrou, pegou o copo ensebado e o jogou no lixo. Depois, abriu o armário e pegou copo limpo.
– O sinhô iscoieu o copo onde mergúio a dentadura quano vô durmi.
O forasteiro cuspiu a alma e limpou a boca na camisa.
– O quico sinhô tá fazeno nessas banda?
– Aqui, nada. Vou a capital pra ganhar muito dinheiro.
– Muito dinhero? Pra quê?
– Pra ser rico, ué. Ainda serei o homem mais rico do mundo.
– Que bobage. O home mai rico do mundo so eu.
O forasteiro gargalhou menosprezos. O caipira permaneceu intacto.
– Moço, já vai iscurinhá. Mió o sinhô dexá pa pricurá ajuda aminhã. Se quisé, cê pode ficá aqui hoje. Senta qui co eu. Vem tomá uma purinha.
O caipira tinha razão. A noite não tardaria. Sem alternativa, aquiesceu. Precisava descansar.
– Óia que belezura! – apontou para o céu entardecido.
O sol pincelava rubores e mergulhava na Mantiqueira.
– Cê já viu argo tão bunito ansim?
Não disse palavra. Em toda vida, jamais contemplara o pôr do sol. Estava extasiado.
O caipira bebericou na boca da garrafa e ofereceu:
– Tome um gole.
Bebeu um, dois, três. Tão logo o sol desapareceu, o céu bordou rebanhos de estrelas para a lua pastorear.
– Ocê conhece riqueza mais maió do que as belezura que Deus feiz pa nóis?
A partir daquela noite, naquela cidadezinha fora do mapa, o caipira passou a dividir sua riqueza.