História : Lembranças da Lanchonete Baiuca
Da Pindamonhangaba do início dos anos 70 relembramos nesta edição um local que marcou a vida noturna de muita gente jovem daquele tempo: “A Baiuca”! Inesquecível casa de lanches, petiscos, choppes e demais bebidas.
Considerado moderno ponto comercial do gênero, ficava na rua Deputado Claro Cesar, ocupava duas portas do prédio da histórica loja ‘A Imperial’, em frente onde hoje é a Pernambucanas, na época, o Cine Palácio.
Sua inauguração, ocorrida no final do mês de janeiro de 1971, tornou realidade o sonho de um poeta e de um pintor. Artistas que haviam se unido em sociedade comercial, o objetivo era proporiconar à população local um ambiente diferente e agradável. O poeta era Orlando Brito (foi diretor do jornal Tribuna do Norte); o pintor, Antonio Pádua Pimentel Resende, outro respeitado artista da cidade. Dois talentosos da arte que antes de se associarem a um empreendimento comercial já tinham um histórico de feliz união artístico-cultural em eventos realizados em Pindamonhangaba.
“A Baiuca”, por conta dessa união, contava com um ambiente artisticamente decorado. Na parede, a graça das figuras do pintor Pimentel legendadas com o humor inteligente e criativo do poeta Orlando Brito. Um casamento perfeito.
Longe do significado pejorativo com o qual os dicionários definem a palavra ‘Baiuca’, o local era um cantinho estimado por seus frequentadores. Ia mais além de uma simples casa de lanches. Ao ambiente, alegre e acolhedor acrescentava-se, além do bom cardápio oferecido, o agradável espaço à cultura. Alí podia-se realizar lançamento de livros, promover minigalerias de arte e encontros boêmios de amigos para dedilhar violão e cantar.
A inauguração da Baiuca
No jornal Sete Dias (jornal local extinto), edição de 31/1/1971, encontramos o seguinte poema homenageando a inauguração, assinado por Lourenço Moliterno Ross:
A Baiuca
– Casa de lanches de Antonio Pádua Pimentel (pintor) e Orlando Brito (poeta)
Li hoje no “Sete Dias”
Uma notícia maluca:
Um poeta e um pintor
Inauguraram a “Baiuca”
Nem é preciso dizer
Que essa cidade de Pinda
(a musa de Balthazar)
Ficará muito mais linda!
Vendo as “naturezas mortas”
Que há pintadas na parede
Qualquer um amará a trova
Ao tempo que mata a sede.
Pois essas trovas do Orlando
Lendo-as à refeição,
Eu digo, afirmo o endosso
Não causam indigestão…
Qualquer dia vou a Pinda
Sento-me a uma das mesas,
Peço pastéis paduanos
E trovinhas ‘orlandesas’!
Pois é muito interessante
Coisa mesmo extraordinária
Ver pincéis, lira e panelas
Fazer arte culinária!
Só faltava que pianista
Também fosse o ‘mestre cuca’
Pois , com o Olimpo completo
Vai pra frente a ‘Baiuca’!
(Lourenço Moliterno Ross, jornal Sete Dias, 31 de janeiro de 1971)
Minhas lembranças da Baiuca
A Baiuca também fez parte da juventude deste articulista. Para a turma lá do nosso bairro, o querido Crispim, sábado o encontro era na Baiuca. Às vezes, madrugada já, depois de sair do clube da Vila Militar, onde havia a concorrida ‘balada’ daqueles bons tempos, a gente ia pra lá. Isso já no tempo do Cruz, do Toninho e do seu Armando Português. Seu Armando era quem assumia a casa de lanches na parte da manhã e quando se excedia na boemia, a gente ia tomar café na Baiuca e não escapava de seu ‘carinhoso’ sermão: “Vai pra casa ô rapaz”.
Também é impossível esquecer o saboroso e incomparável ‘X-Tudo no prato’, preparado pelo saudoso palhaço ‘Bioró’. A gente saia do cine Palácio (outra atração da velha cidade que se foi), após a sessão (filmes com Vera Fisher, Vera Gimenez etc.) e, esfomeados, íamos saborear o apetitoso lanche.
A respeito desse lanche do Bioró, uma lembrança cômica nos contava o amigo Nelson Godoy, o ‘Nelsinho’ ( também trabalhou na Tribuna) sobre seus amigos, Maurício e Baiá. Essa dupla, que infelizmente já partiu para o mundo espiritual, também conheci. Eles tinham muito em comum: ambos eram guardas no Banco Mercantil (banco que havia em frente à igreja matriz), eram músicos, moradores no bairro Alto Tabaú e os dois eram altos e magros. A diferença era que o Mauricio era loiro e o Baiá, mulato. Lembro que o Bioró caprichava no“X-tudo no prato’, era tudo mesmo, uma pessoa de apetite normal dificilmente não se saciaria com apenas um. O Baiá era um desses magros compridos com apetite de gordo. Conta o Nelson que certa feita o Baiá consumiu três ‘X-tudos’, um seguido do outro. Voltavam pra casa e notaram o Baiá muito pensativo. Preocupados com o tanto que ele havia comido, perguntaram o que estava acontecendo, se não estava passando bem. “Não é nada não, estava aqui pensando: será que a mãe guardou janta pra mim?”, respondeu em gargalhadas o amigo.
Anos 80, o fechamento
A edição de 24/3/1984 da Tribuna trouxe a triste notícia do fim… “A Baiuca está fechando suas portas. Pode ser que abra neste sábado e no domingo (24 e 25 de março), mas na segunda-feira não mais”….
Comentando a perda, o redator da Tribuna continuava: “É o triste adeus de uma lanchonete que ficava até altas horas da madrugada atendendo, não só boêmios, mas também quem queria um sanduiche, tomar uma cerveja ou refrigerante”.
Finalizando, revelava o motivo. Os proprietários tinham pedido o prédio. A intenção era a de ampliarem sua loja (A Imperial) “… e o seu Armando e o Toninho Português tiveram que atender”.
As inesquecíveis trovas nas paredes
Infelizmente, não encontramos nenhuma foto do interior da Baiuca, com as pinturas do artista Pimentel e as trovas do premiadíssimo trovador Orlando Brito. No entanto, as trovas que ornamentaram a parede da Baiuca o leitor saudosista confere abaixo, numa gentileza do também trovador, destacado e laureado nacionalmente, José Ouverney.
Mestre na pinga e na tinta,
o pintor Chico Moraes,
todo letreiro que pinta,
faz em letras garrafais…
Madrugada… Em serenatas
nas ruas, a revivê-las,
o velho cão vira-latas
e um trovador vira-estrelas…
Parreira de uvas douradas
que Deus plantou nas alturas,
pendem do céu nas ramadas
cachos de estrelas maduras…
Com serpentina e barrica
o boêmio é mesmo o tal:
faz da pipa uma cuíca
dando início ao carnaval…
Vem do tempo das fraldinhas
o vício dos beberrões.
Quem bebeu em garrafinhas
hoje mama em garrafões…
Bebei, bebei sem receio:
homem que bebe e tem brio,
não gosta de copo cheio,
nem pode vê-lo vazio!