Proseando : TIRE A ROUPA
Quase não dormiu nas noites que antecederam àquele final de semana. A decisão foi difícil. Reconsiderou algumas vezes, mas acabou cedendo à vozinha pecaminosa que rechaçava a consciência: “Olhar não tira pedaço! Olhar não tira pedaço!”. Decidiu não contar a ninguém, pois segredo dividido é fósforo aceso num monte de palha seca.
A esposa participaria de congresso na capital. Três dias distantes. Três dias de alforria. Ele não pretendia quebrar o voto de fidelidade. E, mesmo que quisesse, não conseguiria.
Sábado, pela manhã, levou-a ao aeroporto. Adulçorou-se:
– Meu chuchuzinho, vou morrer de saudades. Não sei viver longe de você. Promete não me esquecer?
– Minha delicinha, esquecer você? Jamais! Também não consigo viver longe. Por isso, vou ligar agora mesmo pro meu chefe e dizer que não vou mais ao congresso.
Assim que ela pegou o celular, o romantismo se desfez.
– Tá louca? Sabe como é o seu chefe. Não vai perdoar você. Quer correr o risco de perder a promoção?
– Mas…
Com olhos alagados ela partiu. Com olhos enigmáticos ele entrou no carro e iniciou viagem. Puxou do bolso da camisa o papelzinho onde anotou o endereço, quando ouviu a conversa no bar entre os velhinhos.
Viajou por horas pensando em desistir. “Olhar não tira pedaço!”. Estacionou quando encontrou a placa camuflada: “Praia de naturismo”. Caminhou durante minutos se desvencilhando da vegetação. Encontrou alguns avisos: “Neste local não é permitido armar a barraca” “As moitas têm ouvidos e são fofoqueiras” “Somente é permitido o uso de chapéus” “Tire a roupa se quiser entrar”.
Estava acanhadíssimo, mas não tinha alternativa. Tirou sapatos, meias, camisa, cinto, calça, cueca… E, com as mãos protegendo o minúsculo documento, chegou à praia onde encontrou o casal de idosos.
– Relaxa, filho, aproveite o sol, o mar e todas as belezas desse lugar. Deixe o bicho solto, mas não o deixe voar.
Ele não gostou da piada. Continuou caminhando. Mais adiante, mais pessoas anosas. Demorou a perceber que estava numa praia de naturismo… da quarta idade. Ficou estarrecido e, enquanto pensava “Bem feito pra mim”, recebeu um tapa na região glútea, seguido da frase:
– Meninas, temos carne nova no pedaço.
Virou-se para ver quem o atacou.
Agredido e agressora desmaiaram; ou seja, sogra e genro.