História : Ruas da saudade…
O tema da editoria de história desta edição faz reviver reminiscências – e aqui não importa a idade – até em quem não viveu determinada época do passado, mas no peito abriga o privilégio da poética e fértil imaginação… entressonho favorável a utópico voo de recuo no tempo!
De uma cidade poeticamente batizada ‘princesa’ pelo cronista Emílio Augusto Zaluar, quando, faz já um século e meio, aqui andou comparando suas belezas, sua cultura com as da Corte, é conveniente e oportuno que recordemos as antigas, pitorescas e singelas denominações de seus cantos e encantos… suas ruas, travessas, ladeiras e praças…
Tivemos poéticas denominações tais como: rua Alegre, rua das Flores, rua Formosa, rua do Bom Jardim, rua do Tanque… travessa dos Suspiros…
Rua Direita, rua do Comércio, rua da Estalagem, rua da Constituição, rua dos Ferreiros, rua dos Toneleiros, rua da Estação, rua do Cemitério Novo, rua do Tabaú de Cima, rua do Tabaú de Baixo e rua do Porto…
Largo do Teatro, largo do Rosário, largo do Imperador, largo da Imperatriz, largo do Lavapés, largo do Porto e o largo dos Homens…
A facilidade com que antigamente mudavam-se nomes de ruas e praças e demais logradouros públicos da cidade, foi assunto comentado até pelo historiador José Athayde Marcondes em sua obra ‘Pindamonhangaba Através de Dois e Meio Séculos’: “As nossas ruas tiveram alguns nomes que foram mudados por outros conforme a vontade dos dirigentes da política em diversas épocas.”
Noites nas ruas da Pinda antiga
O escritor, poeta, sonetista pindamonhangabense Balthazar de Godoy Romeiro (1898/1969), sempre cantava as belezas e tradições de sua terra natal, reunindo o trabalho poético em sua obra “Rapsódia de Pindamonhangaba”. Dessa sua magnífica composição literária, segundo o historiador Francisco Piorino Filho, inacabada com a sua partida, ilustramos nossa página com um poema. Uma rapsódia, cujos versos nos transportam à infância e adolescência. Com os pincéis das palavras banhados na matiz da língua mater, Balthazar assim um dia pintou às noites nas ruas de uma Pindamonhangaba romântica e bela. Apreciemos (ao lado):
Noturno – Da rapsódia de Pindamonhangaba
Noites de minha terra! Que saudade
daquelas minhas noites de rapaz!…
Sonhos, risos, namoros, mocidade!…
O doce encantamento de fazer
do coração emerso
os meus primeiros versos
para alguém que jamais os pode ler…
Meu lar, minha cidade,
A minha rua do Tijuco* em paz!…
Noites de minha terra! Que saudade!
Em cima a boniteza de uma lua
como não pode mais haver igual
de tão serena quase imaterial,
embaixo a nossa rua
com bandos de crianças
em brinquedos de roda e
com cânticos e danças
hoje, que pena, já fora de moda.
Uma mamãe vigiava da janela
ou sonhava somente,
meio ali, meio lá longe, ausente!
Que ofício dá pra ela
mando tiro, tiro lá,
que ofício dá pra ela,
ando tiro, tiro lá!…
Dou o ofício de doceira….
Esse ofício não me agrada…
Dou o ofício de solteira…
Esse também não agrada,
nem o ofício de rendeira
nem o ofício de criada
mas lhe dando o de princesa
era aquela boniteza…
Esse ofício me agrada
mando tiro, tiro lá…
Depois vinha a “ciranda cirandinha”
todo mundo contente a cirandar
e depois sem parar
se esta rua, se esta rua fosse minha!…
É minha, sim senhor, sempre a senti
parte integrante de meu coração,
do amor que voto à terra onde nasci.
Sim, todas elas foram minhas,
a do Tanque, do Porto, da Estação,
a dos Bentos, da Ponte, a do Crispim,
a que vai pra Matriz a do Jardim
todas estão no mapa da saudade
traçado em roxo no meu coração;
todas as ruas da cidade
dos meus dias de infância e mocidade
beco, rua ou viela,
calçadas com pedrinhas de brilhantes
para alguém, para aquela
que foi meu primeiro amor passar.
E ela passou, foi embora,
sem nem sequer me notar
deixando de alguns instantes
de encantamento e esplendor
uma visão que inda agora
é a joia de mais valor
no cofre de meu olhar…
O tesouro melhor de meus tesouros…
Depois a rua ia ficando quieta
imersa numa solidão
com o último passante e a luz discreta
do velho e filosófico lampião
rodeado de besouros.
Dez, onze horas ou mais… Porém a lua
empoando a atmosfera
com uma poeira tranluída de prata
ficava ainda no céu como que a espera
que pouco a pouco esfizesse no ar
na solidão da rua
o tom plangente de uma serenata…
Sempre uma havia e alguém cantar se ouvia,
”acorda donzela,
pois que a noite é bela,
vem ver o luar!…”
Noites de minha terra! Quem me dera
vos ressucitar!