História : O sensacionalismo na folha liberal de João Romeiro
No limiar de sua trajetória secular, assim como todo jornal interiorano da época, o jornal Tribuna do Norte, a folha liberal do Dr. João Romeiro, não se limitava em noticiar somente o município no qual se encontrava estabelecida, nem havia condições para que assim o fosse.
Nesse tempo, o espaço destinado ao noticiário divulgava notas referentes a acontecimentos curiosos, interessantes ou importantes, não se importando onde teriam ocorridos; se próximos ou distantes; se nacionais ou internacionais.
Destacava-se nesse tipo de divulgação, um gênero que sempre atraiu o leitor: o sensacionalismo! O exótico, misterioso ou chocante tinha espaço garantido no jornal e na preferência dos leitores. Para obter material para atender essa finalidade, serviam-se os responsáveis pelas edições da Tribuna, na maioria das vezes, de publicações provenientes de outros periódicos. Pesquisando o arquivo do jornal, reunimos de algumas de suas edições mais antigas, algumas notas do gênero, aquilo que seria o noticiário policial da Tribuna do Norte no final do século XIX.
O pinto fenomenal
Esse era o título de uma nota compartilhada, ou seja, extraida do jornal Gazeta de Campinas e publicada na edição de 14/12/1884 da Tribuna…
Há dias foi observado por várias pessoas nesta cidade um pinto verdadeiramente fenomenal.
O animalzinho apresentava as seguinte curiosidades: o bico superior era torcido para o lado esquerdo e o inferior para o direito; possuía um só olho, o direito, do lado esquerdo não havia a menor abertura que indicasse a existência do órgão visual; tinha cinco dedos no pé direito e todos tortos; na parte superior, onde naturalmente devia exisitir um orifício, notavam-se nada menos de três, em constante movimento.
Durou três dias o bichinho e, como não pudesse tomar alimento, morreu.
Atente-se o leitor para o fato de que isso foi compartilhado de um jornal de Campinas, portanto, o ‘pinto fenomenal’ não era de Pinda.
Bicho com cara de rapariga
Em sua edição de 19/10/1884, a Tribuna foi mais longe no que diz respeito ao local do acontecimento do fenômeno, os Estados Unidos. Notícias sensacionalistas naqueles tempos, praticamente se resumiam ao nascimento de seres (animais ou humanos), no mínimo, muito estranhos. Com o título “Que monstro!”, dizia a nota…
Um jornal dos Estados Unidos assinala uma das mais raras monstruosidades. Tem se visto muitas faces humanas que se assemelham vagamente ao cavalo, ao cão, ao macaco, à raposa etc., mas aquilo de que se trata é completamente diferente: trata-se de um porco cuja cabeça apresenta semelhanças com uma cabeça humana!
A darmos crédito ao que nos transmitem da América, este monstro existe.
A cabeça tem uma notável parecença com a de um homem, ou antes com a de uma mulher e até de uma bonita mulher.
Quando o monstro pousa sobre as quatro patas, a linha da testa ao focinho é perpendicular. A parte superior e a posterior do crânio têm a conformação e as proporções de um ser humano; a posição e a forma das orelhas são mesmas que as de uma rapariga, os olhos azuis, são doces e sonhadores, a boca, ainda que um pouco grande, tem exatamente o corte da dos nossos semelhantes, o focinho é perfeitamente modelado e apresenta uma engraçada covinha. E ponhamos ponto neste retrato humano-suino. O professor Gage comprou essa curiosidade por vinte e cinco libras esterlinas.
E ficamos aqui imaginando o motivo pra alguém ter interesse em adquirir, não fosse pra estudos, um ser que não se definia (hoje ainda existem indefinições, mas não se comparam a essa) o que seria: musa apaixonada, suíno ou um ‘polianimal’…
“Suicídio por amor aos 60 anos”
Está saiu com este título mesmo. O fato ocorreu em Niza, embora o redator não dê mais detalhes do local, certamente trata-se de uma cidade da Itália. A nota saiu na Tribuna do dia 17/12/ 1882 com a redação seguinte:
No dia 23 de outubro último deu-se em Niza um fato curioso: o suicídio de uma criatura de 60 anos que morreu de amor.
Pelas 4 da manhã a porteira subiu, segundo seu costume, até o andar onde habitava a viúva Laurans, para lhe arrumar o quarto. Surpreendida de não a encontrar acordada, entrou na alcova onde seus olhos viram um espetáculo triste: a pobre velha estava estendida em sua cama, vestida de branco e de sapatos de seda, como uma noiva. Ao seu lado havia um braseiro ainda aceso.
Deu-se parte imediatamente à polícia. Um médico e um farmacêutico declararam que a senhora morrera asfixiada horas antes.
A pobre velha estava enamorada de um rapaz de 27 ou 28 anos, e como este se ausentara sem dizer os motivos que o obrigaram a partir, preferiu morrer a viver sem ele. Um pormenor, a senhora Laurans tinha um cãozinho que estimava muito. O pobre animal apareceu morto ao lado de sua ama. Na visita à câmara mortuária, feita pelo comissário de polícia, encontrou-se um papel em que a pobre senhora declarava sua última vontade. Pedia para que o seu cão fosse enterrado ao lado dela.
Atualmente essa nota não teria nada de sensacionalista, tem muita sessentona desfilando graça, sensualidade e beleza… Longe de ser considerada como acentuou o redator da notícia: “pobre velha enamorada…”
Duelo por amor
Está foi nota publicada na Tribuna de 3/11/1882, tinha como título original “Um duelo terrível”, e refere-se a um duelo que se dera em São Petersburgo, cidade federal da Rússia…
Em São Petersburgo deu-se no mês passado um duelo fatal entre o príncipe Schachovskox e o conde Stolypine, oficiais da guarda de Préobrajenski, os quais eram amigos íntimos. A causa foi uma mulher amada igualmente pelos dois. O combate teve lugar à noite, na Floresta de Pasgolovo e a arma escolhida foi a pistola.
Ao sinal convencionado, ouviram-se duas detonações e ao mesmo tempo o conde caia fulminado por uma bala que lhe tinha atravessado o coração, e o príncipe expirava com a espinha dorsal quebrada pela bala de seu adversário. A alta sociedade russa está consternada com este fatal acontecimento.
Fatalidade típica de romances capa e espada… O conde morreu. O príncipe, além de se tornar assassino, provavelmente, ficou paralítico. E nem se sabe se ficou com ele a mulher que fora o pivô daquela desgraça humana.
O príncipe ladrão
Publicado com o título “Um príncipe… capitão de ladrões” na edição TN de 26/11/1882, este fato se deu em Batoum, cidade de Caucaso, uma região da Europa oriental e da Ásia ocidental, entre o mar Negro e o mar Cáspio.
Numa noite de setembro um numeroso bando de ladrões penetrou à força armada em casa do comandante da cidade de Batoum, tenente Berg. Depois de mexerem e rebuscarem em todos os móveis, conseguiram assenhorear-se de tudo o que encontraram de valor: jóias e dinheiro.
Não estava ninguém em casa. O tenente Berg, prevenido a tempo do que havia de acontecer, colocou na cama um boneco grande e ocultou-se numa casa vizinha com 60 soldados.
Os ladrões, depois de terem realizado o saque e atravessado a balas o manequim que tomavam por dono da casa, iam se retirar, quando foram surpreendidos pelos 60 soldados do tenente Berg, que os fizeram prisioneiros.
Foi grande o espanto da polícia ao descobrir-se entre os ladrões um oficial muito estimado em Baloum, o príncipe F…, chefe da Milícia, cavalheiro da ordem russa de Sain Georges, e o organizador de todos os bailes da cidade. O príncipe F… era o chefe do bando, e foi debaixo de sua direção que Batoum se tornara nos últimos tempos teatros de roubos e latrocínios sem conta.
Prova de que o envolvimento de ‘autoridades’ no crime nunca foi novidade… Literariamente falando, daria um belo romance, segue o estilo ‘capa e espada’ da nota anterior.