Nossa Terra Nossa Gente : MENINO DA ROÇA
Antonio é um menino da roça. Seu pai e sua mãe também nasceram e foram criados na roça. O trabalho de sol a sol, de chuva em chuva, fazia por si só o milagre da vida florescer: plantar, cuidar, colher, vender frutas, verduras, porco, galinha, ovos e, com o ganho, alimentar os cinco filhos, ensinar-lhes a lida da roça e, um dia, quando eles tivessem bem crescidos, poderiam igualmente colher os doces frutos que amadurecem no pé: homens e mulheres honestos e de bom coração.
Antonio era um menino diferente dosirmãos. Se visse um carreiro de formigas no terreiro, espiava demorado as criaturinhas, os olhinhos redondos, as anteninhas, o ferrão, a curva do abdômen, os seis pés e, com um gravetinho, desenhava as formiguinhas no chão. Se visse um passarinho, olhava demorado os olhinhos ressabiados de um para outro lado, a curvatura do bico, a envergadura das asas, a cor das penase era só o bichinho alçar voo que lá ia o menino, com um caco de telha desenhar a avezinha na parede do paiol. Se visse um galo – Ah, Deus do céu! -, procurava semente de urucum, folhas verdes, terra preta e amarela para fazer tinta colorida e desenhar o galo na parede da casa.
O menino que só tinha olhos e mãos para desenhar, aos sete anos foi para a escola. Lá, aprendeu a ler, a escrever seu nome com letra caprichada: Antonio Maria Soares. Ganhou da professora caderno, lápis, borracha, caixinha de lápis de cor!Ah, o menino ficou prá lá de feliz! Desenhava abelha, beija-flor, cachorro, esquilo, seriema, coruja, … todos os bichinhos que ele via e que vinham habitar a floresta do seu coração.
Os coleguinhas faziam fila em sua carteira para Antonio desenhar em seus caderninhos. O menino desenhava o que eles pediam: pato, peixe, boitatá, saci-pererê, lobisomem, curupira, mula-sem-cabeça… E as crianças, com seus lápis coloridos, caprichavam o mais que podiam para que seus desenhos fossem tão lindos quanto os do menino artista.
Antonio guardava, em segredo, o seu desenho preferido: um par de sapatos. Ia e voltava da escola de pé no chão. Só que seu pé cresceu muito e o menino também. Quando viu, até sua escola tinha ficado pequenina, por isso, no próximo verão, Antonio e seus colegas teriam de estudar na escola da cidade.
Os pés sujos da lama da chuva não sabiam esconder a vergonha dos professores e dos novos colegas. Na última carteira da sala, Antonio encontrou refúgio para os pés e para a vergonha e, no seu caderno novo, passou a desenhar os sapatos dos colegas que estavam sentados à sua frente: botina, chinelo, sandália, tênis…
Um moleque pescoço de girafa viu os desenhos de Antonio e ficou encantado. Chamou os colegas da classe e, em volta do artista, o alvoroço se fez: – Desenha um gato? – Desenha uma flor? – Desenha um carro? – Desenha um avião? E, de desenho em desenho, o menino que sonhava ter um par de sapatos, teve uma ideia: – E se eu vendesse meus desenhos?
A ideia de Antonio se espalhou pela escola e, cada dia, o menino da roça voltava para casa com o embornal mais pesado. Na velha lata de leite em pó passou a guardar suas economias até que nela não cabia nem mais uma moedinha. Com o embornal pesado de fazer o ombro curvar, o menino foi à cidade comprar seu tão sonhado sapato. Na vitrine, à sua espera, a bota de couroo encantou mais do que todos os outros calçados à mostra.
No espelho da loja, o menino da roça espiou os pés de botas, as mãos que tanto tinham desenhado e agradeceu ao carreiro de formigas que um dia posou para ele se encantar; à beleza dos passarinhos que prendeu seu olhar na gaiola de suas penas coloridas; aos tocos de telha, às sementes do urucum, às folhas das árvores que foram suas tintas, quando ele nem sabia que lápis de cor existia, e à arte que constrói castelos invisíveis na alma dos meninos do mundo inteiro!