Proseando : Espelho, espelho meu
A solidão é capaz de elaborar paliativos bizarros.
Dona Gorda (assim se autodenominava) era viúva aposentada com catarata acentuada nos dois olhos; sem filhos, sem irmãos, sem ninguém. Trabalhara como bióloga enfiada nos recônditos da floresta amazônica, estudando batráquios. O seu amor pela saparia resultou na adoção de inúmeros anuros.
A casa que habitava possuía lagos, jardins e arvoredos. Todos os dias, antes do anoitecer, sapos, rãs e pererecas adentravam em seu domicílio, dominando chão, teto, paredes e mobiliário. Cada regresso era anotado numa planilha.
Certa vez, a conta não fechou: a sapa gigante não apareceu. A ausência fez com que Dona Gorda embicasse os lábios para emitir o assovio estridente que desenvolvera para chamar os impontuais. Mas não funcionou. Então, muniu-se de lanterna para vasculhar o território. Outro fracasso.
Dona Gorda desesperou-se. Como encontraria a sapa fujona? Depois de muitas cogitações, resolveu acessar o Google, a fim de contratar detetive. Por mil reais encontrou um nas imediações, que em poucos minutos estava à porta, indagando:
– A sapa tem alguma marca que a diferencie? Tem foto dela?
Pedindo-lhe para fechar os olhos, desabotoou a blusa e tirou a fotografia do bojo do sutiã. Era uma fotografia dela com toda a saparia.
– Não tem como errar.
O detetive escalou árvores, esquadrinhou o jardim e mergulhou no lago. Exausto, mas perseverante, chamou Dona Gorda e disse:
– A sapa não está aqui fora. Tem certeza de que ela não entrou?
– Absoluta.
– Talvez tenha ido fofocar com a perereca da vizinha.
– Impossível. A vizinha não tem perereca!
O detetive, que conhecia a vizinha, não quis contrariar.
– Então preciso procurar dentro da casa. Posso?
Ele entrou abrindo caminho com a ponta dos sapatos. Vasculhou paredes, abriu armários, gavetas;espiou debaixo da cama e nada da fujona. Começou a duvidar da existência da sapa.
Dona Gorda começou a ter chiliques, a chorar, a gritar, a arrancar os cabelos. Ele precisava fazer alguma coisa urgente. Decidiu entrar no banheiro e gritar, apontando o espelho.
– Achei a sapa. Está ali, grudada no espelho.
Ele recebeu o dinheiro e foi embora da cidade.
Desde aquela madrugada, Dona Gorda, com catarata acentuada nos dois olhos, não chorou mais; pois acredita ser a sapaa própria imagem refletida no espelho.